Diário da Região
Design

Carlos Motta: design, sustentabilidade e paixão pela natureza

por Jéssica Reis
Publicado em 04/09/2021 às 11:40Atualizado em 14/09/2021 às 16:40
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CM House SFX. A casa na Mantiqueira, foi projetada e construída por volta de 2003 com madeira de alta qualidade, principalmente reaproveitada. As pedras locais surgiram no solo. A construção foi realizada no terreno sem perturbar ou agredir a topografia original da serra que se consolidou geologicamente há milénios (Arquivo pessoal/Divulgação)
CM House SFX. A casa na Mantiqueira, foi projetada e construída por volta de 2003 com madeira de alta qualidade, principalmente reaproveitada. As pedras locais surgiram no solo. A construção foi realizada no terreno sem perturbar ou agredir a topografia original da serra que se consolidou geologicamente há milénios (Arquivo pessoal/Divulgação)
A Poltrona Astúrias de balanço faz parte do acervo permanente do MUDE (Museu do Design e da Moda) – Lisboa, Portugal. Criada em 2002 (Arquivo pessoal/Divulgação)
A Poltrona Astúrias de balanço faz parte do acervo permanente do MUDE (Museu do Design e da Moda) – Lisboa, Portugal. Criada em 2002 (Arquivo pessoal/Divulgação)
Uma das paixões de Carlos Motta é o surf (Arquivo pessoal/Divulgação)
Uma das paixões de Carlos Motta é o surf (Arquivo pessoal/Divulgação)
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Com quase 70 anos de idade, o designer Carlos Motta é um apaixonado pela natureza. É dela que ele retira sua principal matéria-prima, a madeira. De forma totalmente sustentável, ele utiliza materiais reutilizáveis, como a madeira de demolição para criar peças de design impressionantes, que são objetos de desejo de muitas pessoas.

Nasceu na Vila Madalena, em São Paulo, e foi lá, em 1975, que começou seu trabalho com design e marcenaria. Quando terminou a faculdade de arquitetura foi para a Califórnia, onde estudou técnicas de construção em madeira e ferro e, em 1978, novamente na Vila Madalena nasceu o Atelier Carlos Motta.

Surfista desde os 14 anos, o esporte, agora Olímpico, ainda faz parte da sua vida, e segundo ele, sempre fará de alguma forma. Sua maior inspiração, aliás, é o contato com a natureza. “Ver as águas nascendo, ver as ondas se formando, ventos, folhas, bichos, insetos, tudo, qualquer manifestação da natureza sempre me impressiona, sempre me enriquece”, afirma.

O trabalho de Carlos Motta tem um objeto bem definido: criar o menor impacto possível no nosso planeta e saber compartilhar o resultado financeiro com todos que fazem parte da cadeia produtiva nos motiva a existir e a trabalhar em busca da excelência.

Seu primeiro grande sucesso foi a cadeira São Paulo (1982), vencedora do 2° Prêmio Design Museu da Casa Brasileira, em 1986, entre outros prêmios. É reconhecido internacionalmente, já participou de exposições nacionais e internacionais. Em entrevista à revista Vida&Arte, o designer Carlos Motta, fala sobre suas inspirações, a paixão pela natureza e, em especial, pelo surf.

 

V&A - A sustentabilidade está presente desde o início do seu trabalho?

Carlos Motta - Sim, a sustentabilidade apareceu de maneira completamente intuitiva, sensorial e não de uma maneira intelectual ou estudada. Ela veio porque eu estava surfando e pegando madeiras que o mar trazia, sempre gostei muito de reutilizar, as ferramentas são da minha marcenaria, são todas compradas usadas, comprei muita roupa usada na minha vida, panelas, tudo. Eu gosto da reutilização. Então, o trabalho começou nos anos 1970 com um material encontrado, seja em praias, seja em terreno, seja doada de demolição. Eu gostava, já me dava um prazer enorme porque eu tinha essa sensação de reutilizar e não tendo que buscar alguma coisa nova. Então, isso sim gera uma sustentabilidade, porém como falei no início de maneira puramente intuitiva.

V&A - Quais são as suas inspirações para criar seus projetos e peças de design?

Carlos Motta - Na realidade a inspiração é um moto contínuo, é uma coisa que vai acontecendo atrás da outra sempre de vivências, as mais puristas são as que mais me inspiram, são contatos com a natureza, com a praia, com o mato, observando planta, observando animais, observando a fluidez que a natureza tem, a regeneração que tem na natureza, como tudo acontece de um jeito muito perfeito, muito limpo, muito maravilhoso, então isso realmente sempre me inspirou bastante.

V&A - Como é a sua relação com a natureza?
Carlos Motta -
É completamente simbiótica, deliciosa, amor puro. Tudo me faz ficar feliz, tudo faz vibrar. Um pulso muito poderoso o tempo todo, ver as águas nascendo, ver as ondas se formando, ventos, folhas, bichos, insetos, tudo, qualquer manifestação da natureza sempre me impressiona, sempre me enriquece.

V&A - O surf ainda faz parte
da sua rotina?

Carlos Motta - Sim, totalmente, o surf, mesmo se um dia eu ficar muito velhinho, porque velhinho já sou, já estou chegando nos 70, mas continuo surfando, mas vai chegar uma hora que vou estar tão velhinho que eu não consigo mais surfar. Mas o surf ainda fará parte da minha rotina, porque eu gosto de tudo, gosto das pranchas, do cheiro da parafina, da bermuda, do mundo do surf, acompanho campeonatos, eu gosto da conversa toda, então é um assunto que desde os 14 anos faz parte da minha vida, então não tem como não participar.

V&A - Como é o seu processo de criação, tem a ajuda de uma equipe, marceneiros...?

Carlos Motta - Olha, o processo de criação, a gênese da coisa sou eu, sozinho em momentos super introspectivos, gosto muito de desenhar de noite, desenhar em papel milimetrado com música ligada, é uma coisa bem quieta, bem de alma mesmo, nasce disso e depois ela vai se mostrando e quanto mais aparece mais faz sentido eu trabalhar em equipe e obviamente que isso estou falando de projeto e desenho, de bidimensional. Na hora que vai para o tridimensional sim, entram os marceneiros, entram os construtores, entra sabe o que é arquitetura de edificação, o que é design vira móvel ou objeto.

V&A - Que tipo de madeiras você utiliza nos seus trabalhos?

Carlos Motta - O início do meu trabalho foi com madeiras reutilizadas, faz quarenta e cinco anos, quarenta e oito anos e até hoje é exatamente a mesma coisa que eu faço. O que a gente mais usa são madeiras reutilizadas de demolição, seja qual for a origem dela é reutilizada. Isso não quer dizer que a gente também não trabalhe com madeiras novas. A gente trabalha com algumas madeiras novas que são certificadas pelo FSC, que é o selo muito bom, que certifica a origem da madeira e por esses caminhos que a gente mais trabalha. Ao longo do processo todo também trabalhei com madeiras normais do mercado de um lado por ingenuidade, do outro lado sabendo que não tinha outra opção, mas sempre houve uma procura, sempre houve uma responsabilidade e sempre houve um prazer enorme de saber que eu estava trabalhando com madeiras cuja a origem era muito correta, ambientalmente ou socialmente ou os dois juntos.

V&A - Como você vê a arquitetura e o design brasileiros, atualmente?

Carlos Motta - Eu vejo ele super bem, como sempre estiveram, eu acho que o Brasil tem uma identidade muito forte na sua arquitetura, tem uma identidade muito forte no seu design e como todos os lugares corre o perigo do deslumbre, do poder da grana, do poder do sucesso e a coisa se descaracteriza, então acho que esse é o perigo que corre com o design brasileiro como com qualquer design. Aqui no Brasil, eu vi algumas coisas em curto período terem uma origem muito boa e ao longo do tempo se deteriorarem exatamente pelo sucesso, pelo deslumbre, o que é uma pena, mas no geral a nossa verdadeira, pura, puríssima arquitetura e design são maravilhosos. Foram, são e serão sempre.

V&A - Você acredita que existe uma preocupação maior em relação ao meio ambiente, em causar menos impacto ambiental na cadeia produtiva, nos projetos de arquitetura em geral?

Carlos Motta - Não, não acredito. Eu não acredito porque eu vejo isso, batalho isso o tempo todo, eu acho inacreditável que existe o projeto de arquitetura, a parte artística, a parte da concepção lindíssima, mas o impacto que ela causa e o não vínculo com todo o processo social, ou seja, quem trabalha, quem executa ou quem vem morar ali, fora os proprietários que são ricos, eu acho que tem aí uma confusão muito grande, tem um ranço até hoje no Brasil ainda meio escravagista sabe, uma hierarquia confusa uma coisa que atrapalha bastante a arquitetura no seu processo.
Então, só pra terminar, sou muito otimista com tudo, tenho certeza que tudo sempre está na procura de coisas, momentos melhores, temos alcançado cada vez mais momentos melhores e estamos aí nesse processo, apesar desse governo que nós temos, conseguimos fazer alguma coisa.