Seja a mudança que você quer ver no mundo
Monja zen-budista Coen Roshi fala sobre o livro “Mãos em prece”, lançado pela editora Citadel


Mãos em prece é estar presente no momento. É estar inteiro e seguir o caminho, que está dentro de nós, sem criar expectativas. A explicação é da monja zen-budista Coen Roshi, que acaba de lançar o livro “Mãos em prece”, pela editora Citadel, em dezembro de 2021. O título é uma referência à expressão que ela usa para assinar seus textos - em especial aqueles que há mais de 20 anos são publicados no jornal Zendo Brasil e que estão reunidos nesta obra.
Em entrevista exclusiva à Revista Bem-Estar, a fundadora da Comunidade Zen Budista do Brasil, em São Paulo, destaca que a maneira como respondemos às provocações do mundo é de nossa responsabilidade. “Tudo que nos acontece é uma oportunidade para fazermos escolhas adequadas que beneficiem o maior número de seres”, diz. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Revista Bem-Estar - Por favor, nos conte como surgiu a ideia do livro “Mãos em prece”.
Monja Coen - O título "Mãos em prece" foi ideia do editor André Fonseca, da Citadel. Geralmente assino meus textos e antes disso uso essa expressão. Mãos em prece é estar inteira - inteiro no momento. Nada escondido, sem divisões. Presente no presente. O livro é uma coletânea de textos meus, escritos na página frontal de nosso jornal trimestral, Zendo Brasil, há mais de 20 anos. Os textos revelam, de forma simples, alguns aspectos do Zen Budismo ao mesmo tempo que revelam momentos históricos pelos quais passamos nos últimos 20 anos.
BE- Neste livro, a senhora diz que somos o caminho. Será que o problema da humanidade está em, justamente, idealizar demais esse caminho?
Monja - Ser o caminho significa que não devemos procurar esse caminho fora de nós, em algum lugar mágico e especial. O caminho, a verdade, a realidade se manifestam onde estamos. Idealizar é se afastar do verdadeiro caminho, que se manifesta na nossa vida diária, em atitudes simples e atos de bondade, inclusão e respeito à vida.
BE - Qual é a sua dica para que possamos nos conscientizar de que somos o caminho e possamos desfrutá-lo sem tantas expectativas e tantas frustrações?
Monja - A maneira como respondemos às provocações do mundo é de nossa responsabilidade. Tudo que nos acontece é uma oportunidade para fazermos escolhas adequadas que beneficiem o maior número de seres. Sem apego e sem aversão, a vida pode ser simples e mais leve. Em alguns momentos podemos apenas respirar conscientemente, seguindo o fluxo do inspirar e expirar, sem expectativas. De tempos em tempos podemos olhar para o céu, para o vazio da imensidão azul e descansar os olhos e a mente. Precisamos de espaços de descanso. Ouvir os pássaros, a chuva. E se chover muito, e se houver desabrigados, o que podemos fazer para ajudar? Há brasileiros morando no exterior e enviando auxílio. Você está fazendo o mesmo ou apenas se comove com o sofrimento dos outros? Sente empatia, mas nada faz para minimizar dores e sofrimentos? Essa é a diferença entre apenas ficar triste e deprimida para agir e transformar.
BE - O mundo viveu um período de pandemia, o que desencadeou muitas mortes e uma crise econômica. Sabemos que é importante agradecer, ter esperança e seguir em frente, mas isso ainda é difícil para muitas pessoas. Como as pessoas podem adotar essa “maneira grata de ver o mundo”?
Monja - Gratidão, como tudo mais, depende de treinamento e de uma investigação profunda da realidade. O que é mais importante, o que é essencial? Adianta ter casa, carros, objetos, quando as enchentes levam tudo? Adianta ter tudo casa, carro, riquezas, contas bancárias, investimentos, se fica doente, sofre e pode morrer? O equilíbrio entre vida plena e bens materiais pode ser estimulado, treinado, praticado. Inicie o dia agradecendo ter despertado. Não reclame de nada nestes primeiros momentos do dia. Use palavras gentis. Seja agradável com você mesma. Há uma música antiga que diz "Graças à vida que me tem dado tanto..." Temos que desenvolver essa capacidade de perceber coisas boas que nos aconteceram e estão acontecendo. Lamentamos as mortes, os doentes, as pessoas abusadas e tomamos atitudes para evitar que haja mais doenças, mais vírus e abusos.
BE - Qual é a importância de colocar as mãos em prece e simplesmente agradecer em qualquer tempo, sem questionamentos, expectativas e frustrações?
Monja - Agradecer o que chega até nós é o primeiro passo: reconhecer o que está acontecendo para tomar medidas inteligentes e bondosas para transformar a realidade. Mãos em prece não é apenas uma atitude pacifista. É uma atitude de compromisso e respeito a si mesma e a todos os seres. Estar inteira neste momento e capaz de decisões adequadas às situações, sem nada a esconder.
BE - A transformação é fácil quando parte de nós. Mas como podemos ajudar o outro, alguém querido, a transformar a apatia em motivação?
Monja - Podemos estimular outras pessoas através de nossa presença pura. Estar junto, compreender. Ninguém pode salvar ninguém. A pessoa precisa querer e pedir pelo apoio. Apenas esteja próxima, compreenda as dificuldades das pessoas queridas e faça-as sentir que está junto, que compreende o que está acontecendo com elas. Nada de dizer "isso passa", pois no momento em que está acontecendo, essa frase pode até afastar essa pessoa de você. Cuide, a cura vem do amor, do afeto, da compreensão. E, se o caso for grave, procure ajuda profissional. Depressão é doença e precisa, muitas vezes, de remédios e especialistas. Não pense que você vai salvar o mundo. Deixe que o mundo salve você de você mesma. Faça sua parte sem expectativas e terá uma boa surpresa.
BE - É fácil conviver com quem é luz. Acredito que o grande desafio está em “aceitar” a sombra do outro. Qual é a sua dica para situações como esta?
Monja - Luz e sombra são um par. "Quão mais brilhante a luz da lua, mais intensa a sombra do pinheiro" - é um ditado antigo japonês. Ninguém é luz o tempo todo. Todos temos nossas sombras. Conhecer a si mesmo é perceber o que está acontecendo com você e com as pessoas à sua volta e criar causas e condições para que possamos brilhar uns para os outros e compreender, aceitar e acolher nossas sombras.
BE - O que faremos para que 2022 seja um ano melhor ainda?
Monja - Depende do que fizermos, pensarmos, falarmos. Esperança de esperançar é uma expressão do educador Paulo Freire. Não ficamos esperando, fazemos acontecer. Para receber o Ano Novo, primeiro limpe-se, purifique a si mesma e o local onde mora. Uma boa faxina pela casa e pela mente. Faça escolhas adequadas. Tome decisões e faça votos que possa cumprir, mesmo que tenha de se esforçar muito. Não desista de você. Não desista da humanidade e nem do planeta. Cuide. Envolva-se com pessoas que têm projetos benéficos e use sua energia vital para o bem de todos os seres. 2022 será tão bom quanto nós o pudermos fazer.
Mãos em prece!
Raio X
Monja Coen é fundadora da Comunidade Zen-Budista do Brasil, criada em 2001, com sede no bairro do Pacaembu, em São Paulo. Teve seu primeiro contato com o zen budismo no Zen Center de Los Angeles, onde fez os votos monásticos em 1983. Residiu por oito anos no mosteiro feminino de Nagoia, no Japão, onde graduou-se como monja especial, habilitada a ministrar aulas de budismo para monges e leigos. Sob a orientação de Shundô Aoyama Dôchô Rôshi, sua mestra de treinamento, foi a primeira monja líder do mosteiro. Retornou ao Brasil em 1995, como missionária da tradição Sôtô Zenshû.