Diário da Região
ALIMENTAÇÃO

O queridinho do café da manhã

Chegada da corte portuguesa ao Brasil foi a grande responsável pela introdução do pão na mesa do brasileiro

por Rone Carvalho
Publicado em 28/10/2022 às 17:07Atualizado em 29/10/2022 às 16:03
Divulgação/ Freepik (Divulgação/ Freepik)
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Pão francês, integral, sírio, australiano, italiano, de forma ou leite. De vários nomes e tamanhos, o pão é um dos alimentos mais tradicionais do mundo. Não é à toa que ele aparece na lista de alimentos mais antigos da história da humanidade e pode ser incorporado em qualquer refeição do dia, seja café da manhã, almoço, lanche da tarde ou jantar.

O pão chegou no Brasil a partir da chegada dos portugueses no século 19, mas foi com os italianos que ele se popularizou. Até então, o alimento não era consumido, em grande escala pelos brasileiros e não tinha as características que atualmente são encontradas nas 11,2 mil padarias do Estado de São Paulo.

Isso porque, devido à coloração do fermento, os primeiros pães brasileiros eram escuros. Foi apenas, no século 20, que o pão de miolo branco e casca dourada foi incorporado no cardápio do país, sendo batizado de pão francês.

“Esse hábito que nós brasileiros temos de comer pão no café da manhã é uma influência herdada dos europeus. Pois é um carboidrato de fácil consumo e com uma vasta gama de opções no mercado. Hoje existe pão de tudo que é tipo”, diz Vanderli Marchiori, nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

A variedade de pães no Brasil é tão grande que até o nome dele apresenta distinções no território nacional. Se em São Paulo é conhecido como pão francês, no Pará recebe o nome de pão careca. Também existe o pão jacó, em Sergipe; pão de sal, em Minas Gerais; ou cacetinho, no Rio Grande do Sul.

Lucas Lucena, docente de gastronomia do Senac Rio Preto, aponta que além de ser fácil de ser transportado, o pão é um alimento que não distingue classe social, razão pelo qual está na mesa diariamente dos brasileiros. “O pão é o alimento mais antigo que existe. Há 14 mil anos, ele alimenta a humanidade. Além disso, é fácil de levá-lo para qualquer lugar. Isso favorece o consumo e popularidade”, diz.

Mas engana-se quem pensa que o tradicional pão “quentinho” sempre fez presença no café da manhã do brasileiro. Até a década de 1990, a população tradicionalmente consumia o pão adormecido ou de leite, não existindo o hábito de ir diariamente na padaria para comprar o pão que tinha acabado de sair da fornalha.

“Isso começou a mudar a partir da década de 1990, quando as tradicionais padarias começaram a se atualizar e a investir em fornos modernos. Foi quando o pão passou a ser produzido várias vezes ao dia e popularizou no Brasil a ideia do pão quentinho”, conta Rui Gonçalves, presidente do Sampapão – entidade que representa o setor de panificação e confeitaria do Estado de São Paulo.

Segundo Rui, no passado, o brasileiro comprava o pão uma vez por semana. “Depois criou-se a cultura de pegar o pão quente. E foi o pão quente que tornou o pão um queridinho do café da manhã do brasileiro”.

Desde então, o pão cada vez mais se faz presente no cardápio brasileiro. Para se ter uma ideia, levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP), aponta que diariamente 25 milhões de pães são vendidos apenas no Estado de São Paulo. No delivery, dados do iFood apontam que, em média, são solicitados 140 unidades de pães por minuto no Brasil.

“A pandemia provocou uma verdadeira mudança na maneira de vender pães no Brasil. A principal delas foi o incentivo ao delivery, muitas padarias passaram a investir nesse meio de entrega para sobreviver”, diz Rui.

Para quem não descarta um pão diariamente, como Lucas de Oliveira, o sucesso do produto é reflexo de sua herança, repassada de geração em geração. “Eu aprendi a consumir pão no café da manhã com meus avós. Nunca mais consegui abandonar, é um hábito do brasileiro”, diz o estudante.

CURIOSIDADES

Divulgação (Divulgação)
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No mundo, Rússia, Chile e Alemanha aparecem na lista dos países que mais consomem pão no mundo. Estima-se que, por ano, os russos consumam mais de 100 quilos de pão por pessoa. Já no Chile, são 93 quilos de pão, anualmente, por pessoa.

O sucesso do alimento é tão grande que ele aparece até na principal oração do cristianismo: Pai Nosso. Além disso, no Antigo Egito, o pão era considerado uma moeda. Na época, um dia de trabalho era equivalente a três pães, segundo historiadores.

No Brasil, pesquisa da Consultoria Kantar revelou que o brasileiro não abre mão do consumo do pãozinho, mesmo em época de crise. O alimento marca presença em 98,7% dos lares e representa 7,2% de todo o dinheiro gasto em alimentação das famílias do País. (RC)

PÃO ENGORDA?

Ao mesmo tempo que o pão faz sucesso, também é alvo de boatos. O principal está atrelado ao fato de seus ingredientes contribuírem para o ganho de peso. Mas será que é verdade?

Raquel Botelho, professora do departamento de nutrição da Universidade de Brasília (UnB), explica que não é o pão que engorda, mas a quantidade consumida e o que a pessoa coloca nele. “Digo que não é o pão que engorda, mas o recheio. Não adianta comer um pão francês, mas encher a unidade de calorias”.

A nutricionista acrescenta que o pão é fonte de carboidrato, proteína, gordura e fibra, tendo o caseiro de fermentação natural e o pão de forma integral, como os mais nutritivos. “Tem muita gente que troca o pão pela tapioca, no café da manhã. Em termos de caloria, ambos possuem a mesma quantidade”.

Isso acontece porque a tapioca tem índice glicêmico (velocidade com que o alimento é convertido em açúcar e liberado na circulação) tão alto quanto o do pão. Além disso, é comum não preparar a tapioca sem recheio, o que consequentemente eleva as calorias do alimento, ultrapassando a do pão.

“As pessoas acabam fazendo trocas errôneas na refeição. O pão francês, por exemplo, que é o mais consumido no Brasil, tem como base a água, farinha, fermento e sal. Já uma barrinha de cereal tem 15 ingredientes. O pão é saudável e extremamente importante na alimentação de todos os brasileiros”, diz Lucas Lucena, professor de gastronomia do Senac de Rio Preto.

Na opinião Vanderli Marchiori, nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), o pão continua sendo um importante alimento para matar a fome dos brasileiros. “No momento que estamos discutinho sobre falta de alimentos na mesa de boa parte dos brasileiros, o pão tem um papel de protagonista. Principalmente, pelo seu preço baixo. Quantos brasileiros não se alimentaram de pão nos últimos meses, sendo ele a única refeição. Agora, imagina se não tivéssemos o pão?”, reflete. (RC)

Tipos de pães

Pão francês

Certamente, é o mais amado entre os brasileiros. Com uma grande variação de nomes pelo Brasil, é o pão mais encontrado nas padarias do País.

Baguete

A principal característica é o tamanho. A baguete é bastante comprida e, também, bem mais consistente que os demais. Sua casca é mais durinha e crocante.

Pão australiano

É uma variação do pão preto e caiu nas graças dos paladares brasileiros recentemente. Ele é ainda mais doce que o pão preto, podendo levar melado na receita. Apresenta uma crosta macia e um interior denso. É polvilhado com fubá ou farinha de milho.

Brioche

Um dos tipos de pães mais famosos da França, o brioche é doce e leva manteiga, leite e gemas na receita original. É normalmente consumido no café da manhã e pode ser preparado com frutas ou gotas de chocolate.

Pão alentejado

Originário da região do Alentejo, esse é um dos mais deliciosos pães portugueses. Ele é preparado com farinha de trigo e massa lêveda e deve ser assado em forno a lenha. A utilização de sêmola de trigo é opcional e garante ao pão uma textura mais firme.

Marraqueta

Um dos tipos de pães mais populares no Chile. Elaborado com água, farinha de trigo refinada, fermento e, naturalmente, sal; é um pão de massa mais compacta e menor umidade.

VENDE-SE TUDO NAS PADARIAS

Da mesma forma que o pão se transformou nos últimos anos, as padarias também. Seja as de bairro ou grandes redes, todas tiveram que mudar seu ritmo de trabalho a partir da pandemia do coronavírus – seja investindo no delivery ou acelerando o processo de produção.

Foi assim que ao mesmo tempo que o pãozinho ganhou os supermercados, as padarias passaram a oferecer lanches simples e até pizzas assadas para os consumidores como forma de manter sua clientela. “Somente no Brasil, existem padarias que oferecem café da manhã, sopa à noite e o tradicional happy hour. Na maioria dos países, as padarias vendem somente pão e doces”, diz Rui Gonçalves, presidente do Sampapão.

“Costumo dizer que a padaria é uma extensão da casa, pois todo mundo gosta de ir na padaria para tomar um café ou comer o tradicional pão. Todo brasileiro tem uma padaria para chamar de sua”, afirma. (RC)

Mitos e verdades

Comer pão faz a pessoa ganhar peso?

Mito. Contrariamente à crença comum, o pão não é inerentemente algo que engorda. Comido com moderação, e como parte de uma dieta densa e equilibrada de nutriente, você pode definitivamente desfrutá-lo, mesmo que seu objetivo seja a perda de peso.

 

Pão integral é mais saudável do que o branco?

Verdade. O pão integral é considerado a escolha mais saudável, porém uma análise descobriu que muitos tipos de pães integrais industrializados contêm níveis mais elevados de açúcar do que os seus homólogos brancos. Além disso, diversas versões de pães marrons têm caramelo ou xarope adicionado à fórmula, tornando-os mais escuros e dando a ilusão de salubridade. Não há dúvida de que o pão integral (em vez do marrom) é o padrão ouro em termos de vitaminas, minerais e fibras.

 

Fermentação natural traz mais vantagens?

Verdade. A produção de pães com fermentação natural pode levar muito mais tempo do que um pão com fermento industrializado. Alguns dos principais benefícios do pão com fermento natural são o sabor (incomparavelmente melhor ao do pão tradicional), índice glicêmico muito abaixo dos demais pães (devido ao processo como é feito) e digestão (mais fácil, mesmo para quem é sensível ao glúten).

Fonte: Sampapão, ABIP e reportagem.