A educação midiática para combater fake news
Conteúdos falsos divulgados na internet podem prejudicar a saúde mental, além de comprometer a segurança e o bem-estar geral dos usuários

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.811 que adiciona os crimes de bullying e cyberbullying ao Código Penal. As duas condutas passam a integrar o artigo que trata de constrangimento ilegal. Agora, o Código Penal prevê multa para quem cometer bullying, e reclusão e multa para quem cometer o mesmo crime por meios virtuais. A lei sancionada na última segunda-feira, 15, é um importante passo para o combate a fake news, que causa sofrimento mental e pode levar à morte das vítimas.
No final de dezembro de 2023, a jovem Jéssica Vitória Canedo, de 22 anos, já fragilizada por sofrer depressão, tirou a própria vida após ter sido vítima de fake news disseminada por um grupo de páginas de fofoca e ativismo político nas redes sociais. Um desses perfis, compartilhou um conteúdo falso a respeito de supostas mensagens entre Jéssica e o humorista Whindersson Nunes, que prontamente negou conhecê-la e esclareceu que as conversas eram falsas.
O youtuber PC Siqueira, de 37 anos, foi encontrado morto em seu apartamento na zona sul de São Paulo. Ele também se suicidou no final do mês passado. Com mais de 2 milhões de seguidores, o influenciador enfrentou uma redução significativa no número de fãs e encerrou seu canal no YouTube, “Mas Poxa Vida”, em 2020, após a Polícia Civil iniciar uma investigação por suspeita de pedofilia. Um ano depois, os peritos da Superintendência da Polícia Técnico-Científica concluíram que ele não compartilhou fotos ou vídeos de conteúdo pornográfico de menores de idade, não conversou com outras pessoas ou pesquisou sobre o assunto.
Nestes casos, a disseminação irresponsável de informações inverídicas teve consequências devastadoras. Outra situação envolvendo a internet foi desafio da Baleia Azul, um jogo online que ganhou destaque nos noticiários, em 2017, por incitar adolescentes em vários países, incluindo o Brasil, a realizar uma série de tarefas autodestrutivas, culminando com o suicídio.
Esses são apenas alguns exemplos do poder e do perigo da internet, que pode não apenas impactar a saúde mental, como também comprometer a segurança e o bem-estar geral dos usuários.
É importante conscientizar as pessoas sobre o impacto de suas ações em ambientes digitais . “Estamos, urgentemente, necessitados de uma maior e real conscientização por parte da sociedade a respeito dos problemas gerados pelas redes sociais quando há uma exposição excessiva. É essencial esclarecer que as pessoas são responsáveis por suas ações, podendo responder, inclusive, criminalmente por isso, pois ainda existem muitas pessoas que parecem desconhecer esse fato e agem ‘destruindo’ e humilhando outras pessoas através das redes sociais”, orienta a psicóloga Renata Salles de Moraes.
A educação midiática
A disseminação de notícias falsas nas redes sociais ocorre de maneira extremamente rápida, pois são projetadas para evocar uma forte reação emocional. Frequentemente, são atraentes, ultrajantes e altamente compartilháveis e, quando abordam um tópico que repercute no público-alvo dessas redes, podem se espalhar rapidamente.
Para Eduardo Thomaello, especialista em marketing digital e gerenciamento de redes sociais, neste contexto, as notícias falsas se tornam uma espécie de “caça-cliques”, capazes de gerar conversas sobre um tema e aumentar drasticamente sua visibilidade. “Trabalhar em conjunto com as plataformas de mídia social e outros meios de comunicação é fundamental para combater a disseminação de notícias falsas. Isso pode incluir a implementação de políticas mais rígidas para identificar e remover conteúdo falso, bem como a promoção de informações verificadas e confiáveis”.
A especialista em marketing digital Érica Braz, da EBZ Assessoria Digital destaca que a educação midiática é uma ferramenta valiosa para capacitar os indivíduos a serem consumidores de mídia mais críticos e cidadãos mais informados. “A fim de que possam a navegar de maneira crítica e responsável no ambiente virtual, especialmente quando a propagação de informações, notícias falsas e conteúdos enganosos representa uma preocupação considerável para a sociedade”, diz.
Para ela, embora a liberdade de expressão seja um direito fundamental, é importante reconhecer que existem limitações e restrições em determinadas situações que devem ser respeitadas. Isso inclui discurso de ódio, como incitação à violência, discriminação ou hostilidade com base em características como raça, etnia, religião e orientação sexual, casos de calúnia e difamação, conteúdos obscenos, pornografia infantil e propagação de notícias falsas, entre outros.
“É importante ressaltar o equilíbrio entre a proteção da liberdade de expressão e a necessidade de proteger outros direitos e interesses, como a segurança, a dignidade humana e a não discriminação. Ao integrar esses conceitos nos currículos educacionais e promover programas de conscientização, podemos contribuir significativamente para a construção de sociedades mais resistentes à desinformação”, afirma.
Ainda de acordo Thomaello, é fundamental educar as pessoas sobre a importância de verificar as fontes e a veracidade das informações antes de compartilhá-las. “Isso pode ser feito por meio de campanhas educativas, workshops, palestras e até mesmo inserindo o tema no currículo escolar. Ensinar as pessoas a identificar sinais de notícias falsas, como erros gramaticais, fontes duvidosas e informações sensacionalistas, pode ajudá-las a desenvolver um senso crítico em relação ao conteúdo que consomem online”.
O delegado Higor Jorge, especializado em crimes cibernéticos, ressalta que sempre que um conteúdo considerado criminoso é divulgado, quem o compartilha também comete o crime. Além disso, ele ressalta a importância de ter consciência e agir com responsabilidade ao ter conhecimento de alguma informação. “Antes de divulgar, é importante considerar se é verdadeiro, atual, se a data está correta, se as pessoas citadas na notícia são reais e se o fato é verídico, avaliando, principalmente, se não se trata de uma mentira deliberada destinada a prejudicar pessoas ou instituições”, afirma.
Combatendo as fake news
Questione a origem das informações, verificando a fonte e a autoria, bem como a data de publicação e o contexto em que a informação foi divulgada;
Busque por múltiplas fontes de informação para comparar e contrastar diferentes perspectivas, ajudando a identificar possíveis vieses e manipulações;
Desenvolva habilidades de checagem de fatos, como verificar a veracidade de uma informação em sites confiáveis e especializados em checagem de notícias, como “aosfatos.org”, “e-farsas.com”, “boatos.org” e “projetocomprova.com.br”;
Conheça algumas técnicas de manipulação de informações e desinformação, como o uso de teorias da conspiração, notícias “caça-cliques” e a utilização da inteligência artificial na manipulação de imagens, vídeos e sons, os chamados deepfakes;
Fomente o respeito e a empatia nas interações online, incentivando a comunicação assertiva e o diálogo construtivo, evitando a polarização e a propagação de informações falsas;
Estimule a reflexão sobre o impacto das informações compartilhadas nas redes sociais e a responsabilidade moral, civil e criminal de cada um na disseminação de notícias falsas;
Fonte: Eduardo Thomaello, especialista em marketing digital e gerenciamento de redes sociais.
Bons hábitos online:
Estabeleça limites de tempo para o uso das redes sociais e evite utilizá-las em momentos inadequados, como antes de dormir ou durante o trabalho
Acompanhe e interaja apenas com pessoas, páginas e sites que agreguem valor à sua vida
Evite seguir quem promove comparação social, inveja ou ódio
Lembre-se de que as pessoas online são seres humanos, com sentimentos e emoções. Seja gentil e respeitoso em suas interações, mesmo que não concorde com as opiniões alheias
Ao expressar suas opiniões e sentimentos nas redes sociais, faça de maneira clara e respeitosa, sem ofender ou desrespeitar os demais
Evite compartilhar informações pessoais sensíveis e não se envolva em discussões acaloradas que possam levar a ofensas e hostilidade
Evite comparar sua realidade com a vida virtual dos outros, pois isso pode levar a sentimentos de inadequação e baixa autoestima
Aprenda a reconhecer e gerenciar suas emoções
Caso perceba que as redes sociais estão impactando negativamente sua saúde mental, não hesite em buscar ajuda profissional
Fonte: Eduardo Thomaello, especialista em marketing digital e gerenciamento de redes sociais