Proposta de Tarcísio tira dinheiro da Educação para pagar o ‘SUS paulista’
Proposta de Emenda à Constituição do Estado reduz investimento mínimo na Educação de 30% do orçamento para 25%, com promessa de que recurso será usado para pagar a nova Tabela SUS Paulista


O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) apresentou na Assembleia Legislativa uma polêmica Proposta de Emenda à Constituição do Estado de São Paulo, cujo objetivo é reduzir o patamar de investimentos em educação em até R$ 9,66 bilhões.
Grande parte destes recursos, em tese, segundo a justificativa apresentada no projeto do governador, serão aplicados na Saúde, pasta comandada pelo médico Eleuses Paiva, de Rio Preto.
A medida, segundo o governo de São Paulo, não altera o investimento obrigatório do Estado em Educação, porque manterá o mínimo exigido pela Constituição Federal, que é de 25% do orçamento.
No entanto, a Constituição Paulista, elaborada em 1989, durante o governo de Orestes Quércia (MDB), estabeleceu que o Estado de São Paulo é obrigado a aplicar 30% da receita resultante de impostos, incluindo recursos provenientes de transferências na Educação. E esta acabou virando uma marca nas quase três décadas de gestão tucana no Palácio dos Bandeirantes.
Aperto
Com o aperto nas contas da saúde e a dificuldade crescente dos hospitais filantrópicos de se sustentarem com a atual Tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), o governo tenta, por meio da medida, aumentar a capacidade de financiamento da pasta de Eleuses Paiva.
A conta fica mais fácil de entender quando se coloca na equação a nova Tabela SUS Paulista, alternativa encontrada por Eleuses para atender a pressão de hospitais filantrópicos e Santas Casas paulista por mais recursos.
“Com o passar dos anos, a Tabela SUS tornou-se insuficiente para cobrir os custos dos procedimentos e tratamentos. A destinação de recursos adicionais permitirá uma melhor adequação dos valores pagos aos prestadores de serviços, em especial os filantrópicos, incentivando a participação de profissionais e instituições no sistema público de Saúde”, justificou o governo, para a criação do mecanismo.
O valor de R$ 9,6 bilhões, que corresponde aos 5% a serem movidos da Educação, dá para cobrir os custos da nova Tabela SUS Paulista que, segundo o prometido, passa a vigorar em janeiro do ano que vem.
Como funciona
Os repasses para a saúde funcionam da seguinte maneira: recursos financeiros vindos do Orçamento da Seguridade Social, além de recursos da União, dos Estados, dos Municípios e de outras fontes.
Esses recursos são administrados em contas bancárias específicas que constituem os Fundos de Saúde e estão sujeitos à fiscalização dos Conselhos de Saúde e dos Órgãos de Controle.
Na esfera federal, o Ministério da Saúde administra os recursos, através do Fundo Nacional de Saúde (FNS); na esfera estadual, os Fundos Estaduais de Saúde (FES) gerenciam os recursos, através das Secretarias Estaduais de Saúde; Na esfera municipal, os Fundos Municipais de Saúde (FMS) são os gestores financeiros, através das Secretarias Municipais de Saúde.
Segundo a Constituição, a União é obrigada a empenhar na saúde o mesmo valor do exercício financeiro anterior, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior. Esse repasse não pode ser inferior a 15% da arrecadação anual.
Já nos estados, o percentual mínimo é de 12% do valor arrecadado através dos impostos, enquanto nos municípios este percentual é maior: 15% do valor arrecadado através dos impostos.
Proposta
A intenção do governo de São Paulo é implementar a regionalização da saúde, uma saída que, segundo a pasta, desafogaria os centros de atendimento e faria com que os pacientes fossem atendidos com maior eficácia em suas demandas. Tudo isso, no papel.
“O programa planeja reorganizar a rede de ambulatórios especializados e hospitais, otimizando a distribuição dos serviços ofertados, garantindo que toda a população tenha acesso à Saúde sem a necessidade de grandes deslocamentos. Atualmente, os municípios aplicam até 40% do seu orçamento na Saúde, no entanto, em razão da desorganização das unidades que não estão integradas em rede, muitas vezes o cidadão não tem suas necessidades atendidas”, diz a Secretaria de Saúde.
É aqui que a Tabela SUS Paulista faria a diferença para os hospitais que prestam atendimentos a municípios menores do Estado: com o repasse mais parrudo, seria possível arcar com os custos da atenção básica e de média complexidade com mais força, sem a necessidade de reencaminhar atendimentos.
Para aprovação do texto, são necessários três quintos (60%) dos votos da Assembleia Legislativa de São Paulo, o que significa 57 dos 94 votos da Casa.
Em outros tempos, quando o PSDB governou o Estado de São Paulo, este número seria considerado fácil de alcançar. Na composição atual da Casa e a chegada ao governo de Tarcísio de Freitas, porém, a meta torna-se mais trabalhosa de ser alcançada, mas não impossível, em virtude de um núcleo-duro de apoio mais enxuto.
Os opositores afirmam que não há garantia que este dinheiro será repassado para a Saúde. “O Poder Executivo aplicará, anualmente, além dos recursos previstos no artigo 255 e no item 1 do parágrafo único do artigo 222 desta Constituição, no mínimo 5% (cinco por cento) da receita resultante de impostos, incluindo recursos provenientes de transferências, em despesas com educação ou em ações e serviços públicos de saúde ou em ambos, observando o disposto no § 2º do artigo 198 e no § 1º do artigo 212 da Constituição Federal”, diz a proposta, na íntegra.
Dados
Como é?
- A Constituição Federal exige que estados e municípios apliquem 25% da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Porque em São Paulo é maior?
- Em 1989 São Paulo elaborou uma Constituição própria - como todos os Estados - e aumentou este percentual para 30%. Desde então, a lei segue assim.
Porque Tarcísio quer mudar?
- Segundo a Constituição, os Estados devem aplicar 12% da receita resultante de impostos em saúde. No entanto, com os custos da saúde aumentando cada vez mais, a quantidade de verba é insuficiente. Com a defasagem da tabela SUS e o envelhecimento da população, a equação fica mais difícil de resolver, segundo o governo.
Como ficaria?
- Se a PEC de Tarcísio for aprovada, 5% da receita resultante de impostos ficaria flexível entre as pastas de Educação e Saúde, com o governo podendo alterar seu uso conforme seja necessário
O que precisa para o texto ser aprovado?
- Para ser aprovado pela Alesp, o texto precisa de três quintos dos votos (60%) dos deputados estaduais, o que significa 57 votos.
Cabo de guerra
Entre os cinco deputados estaduais da região de Rio Preto – Itamar Borges (MDB), Beth Sahão (PT), Valdomiro Lopes (PSB), Carlão Pignatari (PSDB) e Sebastião dos Santos (Republicanos – a maioria deverá apoiar a PEC.
Por aqui, a opositora mais contundente à redução de 5% nos investimentos da Educação é a parlamentar petista: “Acho um absurdo essa tentativa do governador de tirar dinheiro da Educação, dizendo que esse dinheiro vai para Saúde. Primeiro, porque não temos garantia nenhuma que esses 5% serão investidos na Saúde. Não há garantias nesse sentido. Acho uma pena, porque impactará do ensino infantil até o ensino superior. Todos vão perder.
Infelizmente ele manda esse projeto, já no apagar das luzes do ano, em regime de urgência, e nós vamos envidar todos os esforços para barrá-lo, e, se nem assim a gente conseguir sensibilizar o governo do Estado, a gente precisa judicializar, e é isso que vamos fazer enquanto bancada”, afirma Beth.
O emedebista Itamar Borges caminha no sentido oposto ao da petista. “A PEC do governador Tarcísio vai permitir o aumento dos investimentos em Saúde, com a flexibilização do Orçamento. São Paulo investe 30% da receita em Educação, 5% a mais do que exige a Constituição Federal. A proposta do governo permite o remanejamento desse percentual sobressalente para investimentos tanto na Saúde como em Educação.
É uma circunstância que também afeta os municípios (como Rio Preto), que por sua vez recorrem ao Estado. Daí a importância de o governo poder fazer o remanejamento quando necessário, até mesmo para fazer o repasse para os municípios”, defende.
O prefeito de Catanduva, padre Osvaldo Rosa (PL), é favorável ao investimento total em Educação. “Em 2023, investimos em Educação acima de 35% do nosso orçamento. Investimentos feitos com responsabilidade, transparência e planejamento. Em razão destes outros fatores, continuo favorável ao investimento maciço em Educação, mesmo sabendo que todos os segmentos são essenciais”, disse.
Gestores defendem e entidade critica
O prefeito de Mirassol, Edson Ermenegildo (PSD), acredita que o repasse precisa ser reorganizado em função da falta de atualizações na tabela SUS, o que provoca déficit ao sistema de saúde de uma maneira geral.
“A fórmula atual de repasse de recursos para a saúde aos municípios está bastante desatualizada, principalmente depois dos efeitos secundários deixados pela pandemia. Importante consignar que as despesas com saúde são e sempre serão inconstantes, uma vez que, é impossível de se prever a situação sanitária e de saúde da população, tendo em vista a constante flexibilidade dos problemas, exemplificando a questão da dengue, que se alterna em incidência ano a ano”, declarou Ermenegildo.
Diante da polêmica, o prefeito de Rio Preto tenta deixar o desgaste com o “pai da criança”, ou seja, o responsável pela proposta. “Essa é uma prerrogativa do governador, diante da grave queda de recursos. Quanto a São José do Rio Preto, estamos cumprindo o que prevê a Constituição sobre o investimento obrigatório na Educação”, diz ele.
Ainda segundo Edinho, “como todos os municípios brasileiros, nossa cidade também registrou queda acentuada de arrecadação”. “Estamos fazendo o dever de casa, com as contas em dia, sem solução de continuidade, em especial na área da saúde”, completou Edinho, que nesta última semana esteve em São Paulo, com o governador Tarcísio de Freitas, para pedir um aporte de R$ 30 milhões na Saúde.
A cruz e a espada
Segundo o professor de gastos públicos na Faculdade de Administração Pública da Universidade de Campinas (Unicamp) e livre-docente em Administração, Johan Henrik Poker Júnior, a decisão é chave para os gestores públicos, que precisam encontrar um ponto de equilíbrio.
“O que seria ideal é flexibilizar. Por exemplo, numa pandemia, nada mais razoável do que pegar e deixar todos esses 5% para saúde. No momento que em há uma crise no setor de educação, destinar esse dinheiro para resolver problemas agudos. O gestor público sofre muito com esse engessamento orçamentário, mas ele é necessário para evitar os desmandos que às vezes acontecem com o dinheiro público”, diz
Outro ponto a ser observado, segundo Johan, é a curva demográfica do estado e do país, que, segundo o IBGE, está ficando mais velho e precisará cada vez mais de gastos de saúde elevados.
Ele cita o exemplo da Inglaterra em que, com o envelhecimento da população, os municípios precisaram assumir o custeio da baixa e média complexidade na saúde em função da arrecadação.
“A gente tem uma redução muito grande da arrecadação de ICMS e isso afeta o governo estadual diretamente. Então, isso pressionará o governo do estado a tentar fazer com que parte das responsabilidades pelas especialidades médicas recaia mais sobre os municípios, assim como aconteceu com a Inglaterra. E isso pode acontecer em 15 ou 20 anos”.
Críticas da Educação
Os setores ligados à Educação criticam a medida, alegando que o estado já não investe o suficiente na área. A Apeoesp (sindicato dos professores da rede estadual de ensino) alega que a queda não seria de 5%, mas de 16%. O cálculo, contudo, considera somente o orçamento da Educação, e não o orçamento geral do estado.
“Derrotar esse ataque é o eixo central da nossa luta agora, em conjunto com os demais profissionais da Educação, estudantes, pais, sindicatos, movimentos sociais, funcionalismo e todos os segmentos que compõem o agora ampliado Grito pela Educação Pública de Qualidade para os Filhos e Filhas da Classe Trabalhadora”, diz a entidade em posicionamento publicado em seu site.