Diário da Região
FERNANDO HADDAD

'Não podemos deixar milícias entrarem em São Paulo', diz Haddad em Rio Preto

Em entrevista ao Diário, o pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PT, que desembarcou em Rio Preto nesta sexta, 8, disparou críticas a Bolsonaro e Doria, com objetivo de acertar Tarcísio e Rodrigo

por Vinícius Marques
Publicado em 09/04/2022 às 00:00Atualizado em 09/04/2022 às 08:02
Fernando Haddad (PT) em passagem por Rio Preto (Johnny Torres 8/4/2022)
Fernando Haddad (PT) em passagem por Rio Preto (Johnny Torres 8/4/2022)
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Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, o petista Fernando Haddad desembarcou em Rio Preto nesta sexta-feira, 8, disposto a bater em portas pouco simpáticas ao PT, como a do prefeito Edinho Araújo (MDB), hoje aliado dos tucanos, e a do empresariado local, por meio de visita à Acirp (Associação Comercial e Empresarial).

Pré-candidato ao governo de São Paulo, Haddad também falou com estudantes da Famerp e participou de plenária com militantes e simpatizantes. Por onde passou, e também nesta entrevista exclusiva ao Diário, o petista deu o tom do seu discurso na acirrada disputa eleitoral que se anuncia.

Os seus principais alvos são o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-governador João Doria (PSDB). É por meio de duras críticas às gestões dos dois, que ele mira adversários diretos, como o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o tucano Rodrigo Garcia.

O petista diz que São Paulo não pode importar o padrão de segurança, educação e saúde do governo federal. E, numa frase de impacto, diz que os paulistas não podem deixar as milícias que existem no Rio de Janeiro, Estado de Tarcísio e Bolsonaro, entrarem aqui. Leia abaixo, os principais trechos da entrevista.

Haddad em conversa com estudantes da Famerp (Johnny Torres 8/4/2022)
Haddad em conversa com estudantes da Famerp (Johnny Torres 8/4/2022)

Diário da Região - A candidatura do senhor é um fato consolidado ou ainda pode ser sacrificada em nome das alianças de Lula?

Fernando Haddad - Esta fase já está superada. A candidatura do Lula já tem hoje algo em torno de sete partidos. PV, PCdoB e PT que compuseram uma federação. Provavelmente, o apoio da Rede, do Psol e do Solidariedade. O PSB, que indicou para vice o ex-governador Geraldo Alckmin. A aliança em torno da candidatura Lula já é uma questão pacificada. Nos estados, estamos em tratativas. Nossa candidatura deve ser oficializada até o final de abril. Estamos procurando alargar a aliança estadual. Se pudermos replicar a aliança do Lula aqui, melhor. Vamos nos esforçar para isso.

Diário - Uma vez mantida a candidatura de Márcio França, haverá um pacto de não ataque entre o senhor e ele ao longo da campanha?

Haddad - No que me diz respeito, vou fazer um primeiro turno com foco nos governos federal e estadual, na base de propostas. Vamos criticar o que foi feito e apresentar uma alternativa. Então, o nosso foco são as duas máquinas. A máquina federal, do Bolsonaro, e a máquina estadual, do governo do Doria.

Diário - Tem possibilidade de aliança com o Márcio França?

Haddad - Pode acontecer. Obviamente, depende de as duas partes quererem. Nosso desejo é que aconteça, mas vamos saber respeitar se ele não tirar a candidatura. Nunca pedimos para o Guilherme Boulos retirar a candidatura. Sempre tivemos o maior respeito pela candidatura do Guilherme. Nós nunca pedimos para o Márcio retirar candidatura, mas vamos continuar na mesa de negociação tentando ver qual é a melhor equação para o Estado.

Diário - O senhor considera Tarcísio de Freitas, que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, e Rodrigo Garcia, atual governador, seus principais adversários?

Haddad – Acredito que vão usar a máquina pública a favor dessas candidaturas. Já estão usando. Então, acredito que temos aí uns meses pela frente até a eleição, mas volto a insistir, vamos apresentar propostas na área da educação, saúde, segurança e geração de emprego. Nossos adversários vão ter que defender o governo que estão fazendo.

Edinho com Haddad na Prefeitura de Rio Preto (Prefeitura de Rio Preto/Divulgação)
Edinho com Haddad na Prefeitura de Rio Preto (Prefeitura de Rio Preto/Divulgação)

Diário - O PT e a oposição em geral sempre criticaram o "legado negativo" de décadas da gestão tucana no Estado. Com Alckmin no palanque com Lula, como ficará este discurso de necessidade de mudança?

Haddad - As críticas que nós fizemos ao longo desses anos são críticas que precisam ser consideradas. Queremos uma educação de mais qualidade em São Paulo. Consideramos que falta direitos hospitalares em algumas regiões, o que já houve tempo para construir. Vamos salientar que o governo Doria é um governo completamente diferente para pior em relação aos governos anteriores. Entendemos que a degradação do governo atual é substancial. Vou dar um exemplo: durante a pandemia, o governo Doria aumentou impostos. Quando aumenta impostos, a quantidade de postos de trabalho que se destruiu por conta disso é uma coisa inédita. O nível de antagonismo entre o Doria e o Bolsonaro, em prejuízo da população de São Paulo, foi muito gritante. Então, teve uma situação inédita no Estado, com centenas de milhares de empresas fechadas. Teve o fechamento de órgãos públicos importantíssimos, desatenção a programas de geração de emprego, renda e moradia. As casas de apoio à agricultura no interior paulista foram desativadas. O Instituto da Terra sofreu com o sucateamento, teve perda de dinamismo na regularização fundiária. Tem a prorrogação das concessões até 2038 sem nenhuma vantagem para o contribuinte de São Paulo. Queremos, sim, retomar as nossas propostas apresentadas nas últimas eleições, sobretudo na área social, que é o forte dos nossos governos.

Diário - O PT nunca venceu as eleições para governar o Estado de São Paulo

Haddad - O cansaço com o governo Doria é muito grande. Eu tenho corrido o Estado todo. Tenho ido para as regiões que mais votavam no PSDB. Eu vejo uma indisposição hoje com o governo Doria. Acredito piamente que, se apresentamos um programa de governo sustentável, a população vai nos dar uma chance de mudar para melhor o rumo de São Paulo.

Diário - O interior paulista, inclusive a região de Rio Preto, assimilou como poucos o discurso bolsonarista. Tanto que o presidente Bolsonaro foi disparado o mais votado em toda região no segundo turno em 2018, contra o senhor. Como conquistar os votos da direita para ganhar a disputa no Estado?

Haddad - Vamos pegar a segurança pública. Você acha que o modelo das milícias cariocas são um modelo para São Paulo? Você acha que o modelo de milícias que o Bolsonaro apoia no Estado do Rio de Janeiro vai levar o Estado de São Paulo a uma situação melhor? Acho que são coisas que a gente tem que esclarecer para a opinião pública. Será o que o que está acontecendo no Ministério da Educação é padrão para São Paulo? Eu passei sete anos no Ministério da Educação e você não ouviu falar de um centavo que não tenha chegado na escola. Hoje são centenas de milhões, quase bilhão de reais, desviados de compra de ônibus, de merenda, de compra de computador. Distribuição de Bíblia com a foto do ministro dentro. Isso tudo tem de ser apurado. Os maiores programas da Educação foram criados na minha gestão: a expansão das federais, a criação dos institutos federais, o ProUni, o Fies sem fiador, o pró-infância de construção de creches no interior do Brasil. O Caminho da Escola, que é a compra de ônibus escolares, quem criou fui eu e nunca se ouviu falar de superfaturamento de ônibus. E hoje estão comprando ônibus praticamente pelo dobro do preço. Isso é padrão? Vamos trazer para São Paulo o padrão do governo Bolsonaro ? Atrasar a compra da vacina, sucatear os estados. Isso é padrão para o Estado de São Paulo? Acho que se trouxermos o padrão do governo para São Paulo, sinceramente, não vai sobrar muita coisa.

Diário - Quais são as maiores demandas do interior paulista, na visão do senhor?

Haddad - Tem uma demanda grande na área da Saúde hoje, que vou enfrentar rapidamente. Quero trazer a rede de hospitais “Hora Certa” para o interior de São Paulo. A rede de hospitais dia, que criei na Capital, quero levar para o interior. Temos de reduzir a fila do SUS no interior. Outra coisa que o interior reclama, com razão, são as escolas estaduais, que estão sucateadas. Nós vamos melhorar a condição das escolas estaduais. Lembrando que as crianças e adolescentes ficaram dois anos sem frequentar a escola. E se um educador não tomar as providências devidas, essa essas crianças e jovens vão ficar defasados. Mas, como trago a experiência do Ministério da Educação, eu tenho certeza que vamos conseguir recuperar a educação dessas crianças. Mas precisa trabalhar e entender de educação. Outra coisa é a questão da segurança. As milícias não vão resolver o problema de São Paulo. As milícias vão roubar as pessoas, vão cobrar propina das pessoas. O padrão das milícias que o Bolsonaro apoiou no Rio de Janeiro é um péssimo exemplo de segurança pública. Não podemos deixar as milícias entrarem em São Paulo.

Diário - O candidato Tarcísio de Freitas disse que o governo fez um pacto com facções criminosas, o que gerou críticas do governo do PSDB. Como o senhor vê esta questão?

Haddad - O problema do governo federal do Bolsonaro é o vínculo com as milícias. Eu acho que ele criticar o governo do Estado é o roto falando do esfarrapado. O padrão Bolsonaro de segurança pública é o pior do mundo, apoiar milícia. Na hora que entrar milícia em São Paulo, vai ser um negócio muito grave. Há a suspeita deles terem mandado matar aquele miliciano na Bahia. Para queimar arquivo. Tem suspeita de ele ser o gerente do escritório do crime. Já imaginou começar a ter escritório do crime aqui em São Paulo? Miliciano vendendo serviço de segurança, assassinatos de encomenda? É uma loucura a proposta de Bolsonaro para segurança pública. Eu queria saber o que o Tarcísio acha da segurança pública do Estado dele, o Rio de Janeiro, onde o Bolsonaro tem uma autoridade muito grande junto aos milicianos.

Diário - O agronegócio, que vive às turras com o discurso ambiental da esquerda, é fundamental para a economia do interior paulista. Como conquistar o voto do setor?

Haddad - Eu não vejo nenhuma incompatibilidade entre produção agrícola e preservação ambiental. O maior crescimento da produção agrícola e agropecuária foi no governo do Lula. Então, não vem inventar história. Agora, foi o período que mais se protegeu o meio ambiente. Qual é o problema de preservar o meio ambiente e favorecer a produção agrícola? O fato de a gente apoiar o pequeno agricultor é uma coisa importante. Hoje você paga 14 reais no quilo da cenoura. Não é do patinho, não é do colchão mole. É da cenoura. Por que isso está acontecendo? Primeiro, por causa do preço dos combustíveis. Um grande componente do preço do alimento é o transporte. Porque é importante a produção da soja, da laranja, do café para a gente exportar, mas tem que produzir arroz, feijão, tomate, cebola. Ficam dizendo que o agronegócio é contra agricultura familiar, não é verdade. Que o agronegócio é contra o meio ambiente, não é verdade. O agronegócio pode conviver com a agricultura familiar e pode conviver com a preservação ambiental. Vivemos esse período. Eu não tô inventando nada. O Brasil tem muita terra, tem condição de ter meio ambiente, floresta, pasto, agricultura familiar. A China é um pouquinho maior do que o Brasil, e tem 1,3 bilhão de habitantes. Nós temos 212 milhões. E lá na China tem muito menos terra arável do que no Brasil.

Diário - Muito se fala em renovação na política e da política, mas novamente o PT se mostra refém do Lula. Por que PT não aposentou o Lula e o manteve na disputa à presidência, uma vez que o senhor chegou ao 2º turno em 2018?

Haddad - Olha, o que fizeram o Lula, em 2018, não pode ser aceito. O Lula liderava as pesquisas e estava com 39% de intenção de voto em Curitiba. O Moro resolveu se lançar a candidato e usou a caneta de juiz para este fim. Agora, o Moro está definitivamente desmoralizado e nem candidato vai ser mais. Não tem mais condições de se apresentar para o País por causa do nível de rejeição dele. Então, o Lula tem todo direito de ser candidato. A democracia tem de ser respeitada. Eu era candidato a vice em 2018. Eu assumi a candidatura porque o Lula foi impedido pelo Moro. Mas isso agora acabou.

Diário- O senhor acredita que o Alckmin transfere votos para o Lula?

Haddad - Eu acredito que a presença do Alckmin na chapa sinaliza o desejo político do presidente Lula de pacificar esse País. Ele sinaliza o desejo de reconstruir o Brasil. De virar essa página medonha, em que o Estado está sendo destruído, os direitos estão sendo destruídos, o desemprego está aí, a inflação está aí, o isolamento do País no mundo. Como disse o Lula, ‘quem poderia imaginar que uma pessoa como Bolsonaro poderia presidir o Brasil? Nunca tinha visto uma pessoa tão despreparada quanto o Bolsonaro. De repente, ele está aí, presidindo a República’.