‘Captador’ da região de Rio Preto indicou R$ 70 mi no orçamento secreto
Por meio de brecha que permitia a ‘usuário externo’ acessar sistema de emendas, Dener Bolonha canalizou recursos para várias unidades do Hospital de Amor, incluindo as de Barretos e Jales

Brasília, 22 de junho de 2022. O deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ), relator do Orçamento da União no Congresso, encaminha ao então ministro da Saúde Marcelo Queiroga uma relação de beneficiários de programações classificadas como identificador de resultado primário 9 (RP).
Ele cita no ofício lei que determina a execução orçamentárias das emendas "oriundas de solicitações recebidas de parlamentares, de agentes públicos ou da sociedade civil.” São indicações do chamado orçamento secreto, implantado no final de 2020 no Congresso durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
O documento, disponível no site do Câmara dos Deputados, integra a lista 23 de 56 encaminhadas a ministérios variados para pagamentos das emendas de relator no ano de 2022. A mesma lista tem indicações de Dener Bolonha, relações governamentais do Hospital de Amor em Jales, que é um braço do Hospital de Amor de Barretos.
Bolonha não é deputado nem senador, mas utilizou o sistema de indicações de emendas para emplacar milhões em recursos para a entidade.
Apenas em 2022, a reportagem identificou 16 indicações que totalizam R$ 70,2 milhões, mais que o triplo do que um deputado poderia apresentar em emendas individuais impositivas neste ano – atualmente R$ 19,32 milhões. Não há relação detalhada sobre 2021, já que os documentos, aos milhares, não são indicados por autores em planilhas, como foi feito em 2022, ano em que foram pagos pelo governo federal R$ 11,5 bilhões em emendas de relator.
Em 2021, o total de recursos liberados por meio desse tipo de emenda ficou em R$ 10,4 bilhões. Já em 2020, o total ficou em R$ 7 bilhões. Neste ano, já sob a gestão Lula, o valor pago chegou a R$ 1,9 bilhão, referentes a indicações do ano anterior. O site que informa os pagamentos – Siga Brasil – não detalha um a um os beneficiados. O Ministério do Planejamento não respondeu pedido de informações da reportagem sobre pagamentos dos últimos anos.
Para saúde
Na relação de junho, Dener Bolonha tem oito indicações. Os recursos nos quais ele consta como “autor” são todos destinados para a Saúde. Em sua quase totalidade, a emenda apresenta a mesma justificativa: “A presente solicitação se deve ao déficit operacional de cobertura da tabela SUS”. Nesta situação, ele indicou R$ 27 milhões em oito emendas, incluindo recursos para fundos municipais que beneficiaram hospitais em Fernandópolis, Campinas, Barretos, Nova Andradina, e Campo Grande.
Foram ainda R$ 14 milhões para a Santa Casa de Barretos, por exemplo. No mesmo município foram destinados R$ 9,4 milhões para Hospital de Amor Nossa Senhora.
Em outro lote de indicações, Dener viabilizou R$ 20 milhões ao Hospital de Amor Amazônia, em Porto Velho, Roraima.
Brecha
A brecha que deu “superpoderes” ao relações governamentais do hospital, que é jornalista e se apresenta como especialista em assessoria executiva, era indicar emendas por meio de “usuário externo”. O nome dele apareceu junto com milhares de outros também usuários externos, além de deputados e senadores em divulgações do Congresso por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em dezembro do ano passado, o STF declarou inconstitucional essa forma de pagamento, considerada sem transparência. Não há irregularidade neste tipo de indicação. O fato que chama atenção é que nomes de possíveis deputados que possam ter feito os pedidos não constam nas divulgações oficiais da Câmara.
Direto
A relação de 22 de junho tem 2.025 indicações seguidas pelos ministérios. Destas, 788 são de usuários externos. Teoricamente, os recursos foram liberados por indicação direta do relator do orçamento embora não fique ele como autor. Ao lado de cada emenda anexada por usuário externo constam detalhes, como CNPJ do ente favorecido, e justificativa da indicação. Até julho do ano passado foram identificadas 1,7 mil emendas de “usuário externo”, em relação que inclui prefeitos, vereadores, representantes de entidades ou mesmo captadores de recursos para instituições.
Na mesma
Em janeiro deste ano, o senador Hugo Leal não divulgou nomes de possíveis deputados que podem ter feito indicações, mas que constam como usuários externos. A decisão do Supremo não determina a identificação de eventual parlamentar.
‘Só cadastrei’
Em entrevista ao Diário, Dener Bolonha afirmou que apenas fez o cadastro das emendas porque tinha o acesso ao sistema. O modelo de indicações para usuários externo exigia o cadastramento pelo sistema gov.br, como usuário ouro. A identificação por biometria facial e selos de confiabilidade são uma forma de classificar a segurança estipulada pelo governo.
Ele afirma que, posteriormente, a equipe do hospital fazia as tratativas políticas diretamente com o relator para viabilizar recursos, que ele destaca serem voltados exclusivamente para a saúde. “Eu fiz apenas o cadastramento no sistema. Qualquer pessoa na época podia fazer. O Hospital está em todo o Brasil, presente hoje em 14 estados. O déficit é muito grande da tabela SUS”, afirmou Dener ao Diário. “Você trabalha mostrando a necessidade daquele recurso”, disse.
Dener afirmou que não recebia nada para indicar as emendas. “Eu sou funcionário apenas. O usuário cadastrador é apenas o cadastrador, o recurso não vai para a pessoa, vai para a entidade”, disse.
No topo
Desde meados do ano passado, Denner Bolonha tem sido citado em publicações variadas na impressa e tem o nome mencionado em Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) elaborado por Marcello Nogueira Cruvinel, disponível inclusive no site do Senado. Levantamento mostra que ele foi o segundo “usuário externo” com maior volume de indicações ao orçamento secreto. Em primeiro lugar aparece funcionária da Prefeitura de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, com R$ 120 milhões. Em terceiro lugar está Antonio Waldez Goes, atual ministro de Integração e do Desenvolvimento Regional, com R$ 58 milhões em indicações. Em 2022 Goes era governador de Amazonas e emplacou emendas.
Com relação a indicações de parlamentares, o estudo mostra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com R$ 134 milhões incluídos no orçamento secreto, seguido do relator em 2022, Hugo Leal, com R$ 87 milhões.
Hospital
A assessoria do Hospital de Amor, da Fundação Pio XII, afirma que desde que o Supremo anulou as emendas de relator, conhecida como RP9, em 19 de dezembro do ano passado, não faz mais captações desse tipo. Afirma ainda que a medida era autorizada anteriormente. “Em 2023 o hospital não realizou nenhuma captação para suas unidades através das emendas de relator, frise-se, permitida até a decisão do STF, o que poderia ser pleiteada por parlamentares e qualquer usuário externo através do Sindorc, cabendo exclusivamente ao relator geral da LOA (Lei Orçamentária Anual) a deliberar sobre a liberação dos recursos”, afirma a instituição.
"Neste caso, a Fundação Pio XII, sempre demonstrou o seu déficit anual e mensal, que pode ser conferido no Balanço Patrimonial auditado e publicado em seu site para conhecimento de qualquer cidadão, alegando a necessidade de repasses para custeio vez que os valores repassados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) cobrem aproximadamente 30% do valor real gasto por todas as unidades espalhadas, sendo 8 unidades de tratamento, 25 unidades fixas de prevenção e 52 unidades móveis que percorrem milhares de municípios anualmente, além de atendermos 26 estados e o Distrito Federal", complementa.
“Trabalhamos com todas as possibilidades de captação que são ofertadas pelo governo federal e. anteriormente, era necessário que um “CPF” (não era permitida a indicação por pessoa jurídica) que tivesse conta ouro no “gov.br” fizesse a solicitação ao relator (funcionário Dener de relações governamentais fazia), para análise e publicação nas inúmeras listagens públicas”. afirma, ainda, a nota.
Segundo a fundação, neste ano recursos que não foram captados por emendas individuais ou de bancadas, estão feitas com base em portaria do governo federal, de maio, para recursos de ministérios.
Rio Preto
Entre indicações que constam em orçamento, uma delas aparece como de uma funcionária da Prefeitura de Rio Preto, com R$ 400 mil para Fundo Municipal de Saúde, por meio de enfermeira Fernanda Suman Ouquiuto Russo.
A Prefeitura de Rio Preto também aparece como beneficiadas de recursos de deputados como Geninho Zuliani (União Brasil) e Eleuses Paiva (PSD), que chegou a ficar como parlamentar em 2022.
A assessoria da Prefeitura respondeu genericamente sobre essas indicações. “O Departamento de Planejamento da Secretaria Municipal de Saúde não tem a identificação da origem dos recursos destinados por parlamentares através de emendas ao orçamento. A liberação dos valores é feita diretamente do orçamento geral da União (no caso dos federais ) ou do Estado (das emendas de deputados estaduais)”, afirma a nota.
Saiba mais
COMO AS EMENDAS NORMALMENTE FUNCIONAM
- Deputado propõe que recurso seja destinado a uma cidade (limite de R$ 16 milhões)
- Após aprovação do orçamento, cabe ao Governo Federal enviar o dinheiro para a execução do projeto
- A verba chega na cidade e fica claro o deputado que fez o pedido e onde será gasto o dinheiro
- Prefeitura faz o projeto
COMO AS EMENDAS DO RELATOR FUNCIONAM
- Deputado faz o pedido de envio de dinheiro para alguma cidade sem ter o nome revelado e
- sem limite de recursos
- O valor destinado é definido pelo parlamentar e pelo Governo Federal que envia o recurso para a cidade
- A prefeitura recebe o recurso e utiliza para os serviços
- Por não ter o nome revelado e os valores passados por cada deputado, esse tipo de emenda ganhou o apelido de orçamento secreto