Diário da Região
EX-MINISTRO DA EDUCAÇÃO

PF prende Milton Ribeiro e pastores por 'gabinete paralelo' no MEC

Ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro é o principal alvo de investigação sobre o ‘gabinete paralelo’ instalado na pasta; Operação Acesso Pago foi deflagrada nesta quarta-feira, 22

por Agência Estado
Publicado em 23/06/2022 às 01:15Atualizado em 23/06/2022 às 09:28
Reunião do Milton Ribeiro com prefeitos em Brasília, com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura na organização (Reprodução/Instagram)
Reunião do Milton Ribeiro com prefeitos em Brasília, com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura na organização (Reprodução/Instagram)
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A Polícia Federal (PF) prendeu na manhã desta quarta-feira, 22, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro na investigação sobre o ‘gabinete paralelo’ instalado na pasta, com favorecimento de pastores na distribuição de verbas – caso revelado pelo Estadão. O mandado de prisão preventiva foi expedido por ordem do juiz Renato Borelli, da 15.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, e cita supostos crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.

O magistrado determinou que Ribeiro, localizado em Santos (SP), seja levado para a Superintendência da Polícia Federal em Brasília. A audiência de custódia do aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL) – que chegou a dizer que botava ‘a cara toda no fogo’ pelo então ministro – está prevista para esta quinta-feira, 23.

A operação que apura a prática de tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) foi batizada como ‘Acesso Pago’ cumpriu, ao todo, cinco ordens de prisão, solicitadas pela PF à Justiça. Além de Ribeiro, foram presos os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que estão no centro do esquema sob suspeita.

Também são alvo da investigação o advogado Luciano Musse, infiltrado dos pastores no MEC, o ex-assessor da Prefeitura de Goiânia Helder Diego da Silva Bartolomeu – contra ambos há ordens de prisão domiciliar. Musse, nomeado gerente de projetos em abril do ano passado pelo próprio ministro, atuava como apoio aos religiosos. Helder Bartolomeu também era ligado aos pastores.

Antes de ocupar o cargo no MEC, Musse acompanhava os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura em agendas no gabinete de Ribeiro. No dia 6 de janeiro de 2021, os registros oficiais mostraram uma “visita de cortesia” de Arilton em que ele estava acompanhado pelo advogado. Em ao menos outras quatro agendas oficiais, a presença de Musse como integrante da comitiva dos pastores também foi registrada.

Os agentes que participam da ofensiva vasculham 13 endereços em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal. Entre os alvos das buscas estão o próprio Milton Ribeiro e os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. O juízo da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal também deferiu medida cautelar de proibição de contatos entre os investigados e envolvidos.

O inquérito foi aberto a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e por ordem do Supremo Tribunal Federal, em razão do foro privilegiado de Milton Ribeiro, à época ainda ministro da Educação. Após o aliado do presidente Jair Bolsonaro deixar o governo em meio ao escândalo, a ministra Cármen Lúcia remeteu o inquérito para primeira instância.

A Polícia Federal informou que, com base em documentos, depoimentos e relatório de investigação preliminar da Controladoria-Geral da União, ‘foram identificados possíveis indícios de prática criminosa para a liberação das verbas públicas’.

Os documentos encaminhados pela CGU à corporação envolvem ‘relatórios produzidos’ e ‘evidências coletadas’ durante uma investigação preliminar aberta em agosto para apurar a atuação de pastores como cobradores de propina em troca da liberação de verbas do MEC.

Em nota, o Ministério da Educação afirmou que ‘recebeu’ equipe da PF nesta quarta-feira, 22, e que ‘continua colaborando com todas as instâncias de investigação que envolvem a gestão anterior da Pasta’.

O advogado Daniel Bialski, que representa Milton Ribeiro, informou que está preparando um habeas corpus. “Mesmo sem conhecer profundamente o caso, parece-me que essa prisão preventiva não possui contemporaneidade”, afirmou. A defesa de Arilton Moura disse que se manifestará nos autos. A reportagem entrou em contato com a defesa de Gilmar Santos, mas não obteve resposta até o fechamento desta página.

Bolsonaro diz ‘ter motivo’ para prisão

Bolsonaro e Milton Ribeiro em evento: em março deste ano, presidente defendeu atuação do então ministro da Educação (Divulgação/Presidência da República)
Bolsonaro e Milton Ribeiro em evento: em março deste ano, presidente defendeu atuação do então ministro da Educação (Divulgação/Presidência da República)

O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse nesta quarta, 22, que a Polícia Federal teve “motivo” para prender o ex-ministro Milton Ribeiro, da Educação, no âmbito da investigação sobre o “gabinete paralelo” instalado na pasta. “Ele que responda pelos atos dele”, disse. “Se a PF prendeu, tem um motivo”, afirmou, alegando que o caso mostra que “não há interferência do governo na PF”.

Em março, quando o esquema no MEC foi revelado pelo Estadão, o chefe do Executivo saiu em defesa de Milton Ribeiro e disse que “colocava a sua cara no fogo” por ele. “O Milton, coisa rara de eu falar aqui: eu boto minha cara no fogo pelo Milton”, afirmou, em transmissão ao vivo. O presidente ainda repetiu: “Minha cara toda no fogo pelo Milton. Estão fazendo uma covardia contra ele”. Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle, eram muito próximos a Ribeiro.

Nesta quarta, o presidente mudou o discurso. “Se tiver algo de errado, ele vai responder. Se for inocente, sem problema; se for culpado, vai pagar. O governo colabora com a investigação. A gente não compactua com nada disso”, disse Bolsonaro em entrevista à Rádio Itatiaia (MG). “Agora, não sei qual a profundidade dessa investigação. No meu entender, não é aquela orgânica, porque nós temos os compliances nos ministérios. Qualquer contrato, qualquer negócio não passa”, afirmou. E voltou a dizer que “não há casos de corrupção” em seu governo.

Opositores e aliados reagem

A prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro se tornou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais desde as primeiras horas desta quarta, 22. Dentre os principais pré-candidatos ao Planalto, Ciro Gomes (PDT) e André Janones (Avante) reagiram com ironia à fala de Bolsonaro, de março, sobre “colocar a cara no fogo” por Milton. Simone Tebet (MDB) criticou o “desmando na Educação” e afirmou que “corrupção também virou marca deste governo”.

O primeiro colocado nas pesquisas eleitorais para a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não comentou a prisão até o final da tarde. Canais do PT na internet e a presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, compartilharam charges e manifestações de indignação contra a gestão Bolsonaro. O pré-candidato da sigla ao governo de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad lamentou “pelo que se transformou o MEC”.

Do lado dos apoiadores da reeleição de Bolsonaro, o discurso sobre a autonomia da Polícia Federal e a “prova” de que o governo enfrenta a corrupção, usado pelo presidente ao comentar o caso logo após a divulgação da operação da PF, foi bastante replicado. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo (PL) foram alguns a reforçar o argumento em publicações nas redes.

Ao menos dez grupos bolsonaristas nos quais usuários compartilharam repetidamente o vídeo da entrevista concedida nesta manhã por Bolsonaro à Rádio Itatiaia (MG), replicando também a declaração do presidente de que Milton Ribeiro “vai pagar” se tiver feito “algo de errado” à frente do MEC. Tais grupos possuem quase 100 mil usuários e representam somente uma amostra do volume de apoiadores de Bolsonaro que usa a plataforma de mensagens.