Fábio Marcondes é indiciado por injúria racial contra segurança do Palmeiras
Polícia Civil de Rio Preto disponibilizou o relatório final do inquérito nesta quinta, 31; vice-prefeito não compareceu à delegacia para assinar o indiciamento

A Polícia Civil indiciou o vice-prefeito de Rio Preto, Fábio Marcondes, pelo crime de injúria racial contra um segurança do Palmeiras, cometido após uma partida em Mirassol no dia 23 de fevereiro deste ano, pelo Campeonato Paulista.
O despacho de indiciamento, assinado pelo delegado Renato Camacho, da delegacia Seccional de Rio Preto, foi publicado na tarde desta quinta-feira, 31.
De acordo com a autoridade policial, ainda que os laudos periciais do Instituto de Criminalística tenham constado que os termos utilizados pelo investigado sejam “paca véa” e não “macaco velho”, após exaustivas repetições do vídeo em questão, “torna-se praticamente impossível não reconhecer audivelmente que as palavras proferidas são duas palavras de gênero masculino, as quais foram identificadas pelo mecanismo de inteligência artificial”, escreveu.
A investigação contou com atuação do Centro de Inteligência Policial (CIP) da Delegacia Seccional. Após a análise do conteúdo, ambas as interfaces utilizadas (Gemini e Perplexity) apresentaram resultados semelhantes: “na transcrição do áudio do vídeo os termos 'macaco velho' foram identificados; ao solicitar a confecção de imagens que ilustrassem o contexto dos fatos, foram geradas imagens que denotaram ofensas racistas em meio a uma discussão; e por fim, ao solicitar uma explicação de como a imagem gerada se relacionava aos fatos ocorridos no vídeo, a IA indicou uma situação de discussão acalorada em ambiente de futebol, na qual foram utilizados termos de cunho racista”, consta em trecho do relatório.
A reação das pessoas após o uso do termo em xeque foi incluída no relatório final da polícia. "Restou clara a total indignação dos integrantes da delegação do time do Palmeiras com as falas registradas no vídeo veiculado pela imprensa", escreveu o delegado. "Surge um indivíduo afirmando que o investigado teria chamado a vítima de 'macaco', virando-se então para a câmera do cinegrafista e frisando: racismo não", consta ainda no relatório.
Notificado, o vice-prefeito não compareceu para assinar o termo de indiciamento. O relatório será encaminhado para o Ministério Público de Mirassol, que irá decidir se oferece denúncia contra o vice-prefeito.
Para Euro Bento Maciel Filho, advogado-sócio do escritório Euro Filho e Tyles e um dos defensores do segurança Adilson Antonio de Oliveira, “graças ao excelente trabalho desenvolvido pela Polícia Civil, as investigações confirmaram o que todos já sabiam, ou seja, que Adilson foi racialmente ofendido pelo vice-prefeito de São José do Rio Preto, que o chamou de 'macaco velho' no dia dos fatos. Agora, com a conclusão do inquérito, espero que o MPSP analise o caso com a seriedade de praxe e, então, ofereça denúncia em face do agressor”.
Advogado contesta
O advogado Edlênio Xavier Barreto afirmou, em nota, que a defesa vê o indiciamento com "extrema preocupação" e cita uso ferramentas de inteligência artificial para indiciar Fábio Marcondes.
"A defesa reafirma que Fábio Marcondes já prestou todos os esclarecimentos necessários e nega categoricamente ter proferido qualquer expressão de cunho racial", afirma o advogado.
O caso
O segurança do Palmeiras Adilson Antonio de Oliveira registrou boletim de ocorrência após a partida entre Mirassol e Palmeiras, no qual afirma que Marcondes o teria chamado de “macaco velho” durante confusão após o jogo do Campeonato Paulista, em Mirassol. O entrevero foi registrado por uma equipe da TV Tem. O termo colocado em xeque teria sido pronunciado após Marcondes xingar o segurança de "lixo" por repetidas vezes.
O episódio ocorreu no dia 23 de fevereiro. Marcondes chegou a tirar duas licenças médicas após a repercussão do caso. O prefeito de Rio Preto, Coronel Fábio Candido (PL), exonerou Marcondes da Secretaria de Obras na época, mas o reconduziu ao comando da pasta em 21 de maio.
O laudo pericial, com base em análise fonética do bate-boca entre Marcondes e o segurança, afirma que não é possível identificar a palavra "macaco velho". O entendimento da perícia, de que as palavras ditas seriam "paca véa", foi registrado no primeiro laudo, apresentado no dia 6 de maio no inquérito. O laudo complementar apresentou o mesmo entendimento. Os dois são assinados pela mesma perita criminal, Tatiana de Souza Machado.
Leia nota da defesa na íntegra
"A defesa de Fábio Ferreira Dias Marcondes manifesta-se com extrema preocupação diante do recente indiciamento promovido pela autoridade policial, que se ampara exclusivamente em relatório produzido por ferramentas de inteligência artificial externas (Gemini e Perplexity), não homologadas como meio pericial, elaborado no mesmo dia de sua própria requisição, assim como o relatório que levou ao indiciamento.
Importa destacar que foi o próprio delegado de polícia quem, por duas vezes, requisitou perícia oficial ao Instituto de Criminalística, apresentando quesitos técnicos detalhados. Ambas as perícias oficiais, elaboradas por órgão imparcial e tecnicamente habilitado, concluíram de forma categórica que a palavra “macaco” não foi pronunciada pelo investigado. Como tais conclusões não atenderam à convicção pessoal do delegado, optou-se por substituir a análise oficial por um relatório de inteligência artificial não validada, prática que causa perplexidade e preocupa quanto ao respeito ao devido processo legal.
O uso de soluções automatizadas para formar juízo sobre fatos gravíssimos — sem validação técnica oficial, sem controle de parâmetros e sem contraditório — traz à memória a recente notícia de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu procedimento para investigar um magistrado que utilizou uma tese inventada pelo ChatGPT em decisão judicial (Conjur, 12/11/2023). Se a utilização de inteligência artificial não verificada preocupa quando adotada por magistrados, com ainda mais razão causa estranhamento quando serve de fundamento para imputação criminal de injúria racial.
Desde o início da investigação, ficou evidente que a narrativa original da suposta vítima sofreu alterações significativas ao longo do tempo: o Boletim de Ocorrência registrava uma expressão diversa daquela posteriormente atribuída ao investigado, enquanto testemunhas ligadas à própria vítima passaram a mencionar outro termo apenas após a ampla divulgação de um vídeo com legendas sugestivas. Essa inconsistência foi confirmada pela colheita de depoimentos: nenhuma das 11 testemunhas presenciais e imparciais — incluindo policiais militares, profissionais de imprensa e testemunhas independentes — confirmou a existência de ofensa de cunho racial.
A defesa reafirma que Fábio Marcondes já prestou todos os esclarecimentos necessários e nega categoricamente ter proferido qualquer expressão de cunho racial. O ato de indiciamento, assim fundamentado, suscita séria preocupação quanto ao respeito ao devido processo legal e à necessária imparcialidade que deve orientar qualquer persecução penal.
A legalidade, a técnica e o devido processo legal não são opções: são obrigações."
(Colaborou Vinícius Marques)