Áudios, xingamentos, asilo e apoio a Tarcísio: os achados da PF no celular de Bolsonaro
Conversas de WhatsApp e documentos excluídos que foram recuperados fazem parte de investigação que levou a indiciamento do ex-presidente e do filho Eduardo Bolsonaro; pastor Silas Malafaia teve o celular e o passaporte apreendidos

Os arquivos recuperados pela Polícia Federal no celular do ex-presidente Jair Bolsonaro demonstram, segundo o relatório final da investigação, uma preocupação em concretizar sanções dos Estados Unidos ao Brasil para salvar a própria pele, um plano de escapar para a Argentina e subterfúgios para descumprir ordens judiciais.
A constatação está em conjunto de mensagens, áudios e documentos recuperados no aparelho e citados no relatório final que resultou no indiciamento de Bolsonaro e do filho dele, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Os arquivos também mostram xingamentos entre pai e filho e discordâncias do pastor Silas Malafaia com Eduardo Bolsonaro, a quem chamou de “babaca”. O líder evangélico teve o celular apreendido ao desembarcar no Rio de Janeiro, nesta quarta-feira, 20.
Conversas de WhatsApp
O relatório foi elaborado com base em conversas no WhatsApp do celular de Jair Bolsonaro, incluindo mensagens apagadas e recuperadas. Segundo a PF, elas revelam alinhamento e coordenação de ações para concretizar sanções ao Estado brasileiro pelo governo dos Estados Unidos.
Parte das mensagens armazenadas no celular havia sido excluída, mas foram recuperadas com um programa de extração de dados. A ferramenta permitiu “análise e contextualização com os fatos sob apuração”.
Burla de veto ao uso de redes
Jair Bolsonaro burlou a proibição de uso de redes sociais por meio de terceiros e listas de transmissão de mensagens. A PF detectou que alguns conteúdos foram encaminhados mais de 350 vezes.
Acesso antecipado a defesa de general
A PF recuperou o documento que seria uma prévia de um relatório de defesa do general Mário Fernandes, apontado como autor do Punhal Verde Amarelo, o suposto plano de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Minuta de asilo na Argentina
A PF encontrou o que identificou como uma minuta de pedido de asilo político ao presidente da Argentina, Javier Milei. O documento, de 33 páginas, estava associado a Fernanda Bolsonaro, nome da esposa do senador Flávio Bolsonaro.
Contato com Braga Netto
Foi encontrada uma mensagem SMS, de texto, enviada a Bolsonaro por um celular pré-pago associado ao general Walter Braga Netto. “Estou com este numero pré pago para qualquer emergencia. Nao tem zap. Somente face time. Abs Braga Netto”. O militar não podia manter contato com o ex-presidente e enviou o texto em 9 de fevereiro de 2024, no dia seguinte à Operação Tempus Veritatis, que apreendeu o celular de Braga Netto.
PF diz que Eduardo admitiu que intenção não era anistiar todos
Segundo a PF, em uma mensagem de Eduardo Bolsonaro ao pai, pelo WhatsApp, o deputado admitiu que as investidas dele nos EUA visavam salvar o ex-presidente e não anistiar todos os condenados pelo 8 de janeiro de 2023.
“Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos EUA terá sido o post do Trump. Eles não irão mais ajudar. Temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia OU enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto. Neste cenário vc: não teria mais amparo dos EUA, o que conseguimos a duras penas aqui, bem como estaria igualmente condenado final de agosto.”
A PF interpretou a mensagem desta forma: “A real intenção dos investigados não seria uma anistia para os condenados pelos atos golpistas realizados no dia 08 de janeiro de 2022, mas sim, interesses pessoais, no sentido de obter uma condição de impunidade de Jair Bolsonaro”.
Eduardo xinga o pai por causa de apoio a Tarcísio
As mensagens trocadas entre Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro mostram o filho do ex-presidente profundamente incomodado com a sinalização de apoio prestado pelo pai, em entrevista, ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), na crise com os EUA.
“Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando em dar uma porrada nele, para ver se vc aprender. VTNC SEU INGRATO DO C......”. E prossegue: “Me f…… aqui! Vc ainda te ajuda a se f…. aí! Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se f…. é vc e VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA NESTA P…. AQUI. TENHA RESPONSABILIDADE!”.
Malafaia xinga Eduardo
Em mensagem enviada a Jair Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia manifestou insatisfação com a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro nos EUA. O evangélico entendia que a atuação do parlamentar beneficiava politicamente o presidente Lula.
“E vem o teu filho babaca falar merda! Dando discurso nacionalista, que eu sei que você não é a favor disso. Dei-lhe um esporro, cara... mandei um áudio pra ele de arrombar. E disse pra ele, a próxima que tu fizer eu gravo um vídeo e te arrebento! Falei pro Eduardo”.
R$ 2 milhões para Michelle na véspera de depoimento
A PF descobriu que Jair Bolsonaro transferiu R$ 2 milhões para Michelle Bolsonaro em 4 de junho, véspera do dia em que prestou depoimento. Segundo a polícia, não houve qualquer justificativa para o pagamento um dia antes do interrogatório.
O mesmo valor havia sido repassado a Eduardo Bolsonaro, em maio. O deputado repassou R$ 200 mil para a conta da mulher, Heloísa Bolsonaro. A maior parte do valor foi enviada no dia do depoimento de Jair Bolsonaro.
Para a PF, ambos “utilizaram da mesma estratégia de repasse de valores para suas respectivas companheiras, usando de artifício idêntico, no mesmo período de tempo, em clara demonstração de liame subjetivo para alcance do resultado criminoso pretendido”.
Documento contra Moraes enviados por advogado de Trump
O advogado americano Martin de Luca, que representa a Trump Media e a rede social Rumble, manteve contato direto com Jair Bolsonaro. No mesmo dia em que protocolou documento na Justiça da Flórida contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), enviou cópia a Bolsonaro.
Para a PF, o vínculo demonstra atuação coordenada contra o STF) e caracteriza desvio de finalidade nas ações judiciais abertas contra Moraes em solo americano.
Em nota divulgada nas redes sociais, o deputado Eduardo Bolsonaro criticou o indiciamento feito pela PF. O parlamentar afirmou que sua atuação nos Estados Unidos “jamais teve como objetivo interferir em qualquer processo em curso no Brasil”.
“Sempre deixei claro que meu pleito é pelo restabelecimento das liberdades individuais no país, por meio da via legislativa, com foco no projeto de anistia que tramita no Congresso Nacional”, escreveu.
O pastor Silas Malafaia foi alvo de mandado de busca e apreensão ao desembarcar no aeroporto do Galeão, nesta quarta-feira, 20. Após prestar depoimento à PF, ele afirmou que o ministro Alexandre de Moraes é um criminoso que precisa ser retirado do cargo e preso. Foram executadas medidas cautelares diversas da prisão, incluindo a proibição de deixar o País e de manter contato com outros investigados. O celular também foi apreendido.
“O criminoso Alexandre de Moraes, que denuncio há quatro anos, estabeleceu o crime de opinião no Estado Democrático de Direito. Até onde isso vai? Não tenho medo de ditadores. Não sou bandido”, disse.