Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Tiros na Bernardino

O centro da cidade, a praça Ruy Barbosa, a Bernardino de Campos e adjacências foram o cenário de outros, vários outros, disparos que transformaram diferenças pessoais em grandes tragédias

por José Luís Rey
Publicado em 04/12/2021 às 20:19Atualizado em 04/12/2021 às 20:25
José Luís Rey (José Luís Rey)
José Luís Rey (José Luís Rey)
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Antigamente, quando a melhor referência geográfica de Rio Preto era a de “boca do sertão”, dizia-se que nestas redondezas apanhavam-se laranjas a tiros de 38 e que a mania incorrigível de acertar as diferenças a bala era sempre motivada por uma entre três barras: barra de ouro, barra de divisa e barra de saia. Antes que o leitor se apresse a lembrar que os tempos agora são outros, lembre-se do que noticiaram os jornais a respeito do movimento policial nos finais de semana: dezenas de ocorrências criminosas, envolvendo roubos e assaltos. Assassinatos também são frequentes, as estatísticas mostram que eles ocorrem com insuspeitada recorrência, no ermo da periferia, no escuro dos canaviais, nas quebradas da noite – e pelos motivos mais torpes - das dívidas de drogas ao acerto de contas de ladrãozinho pé-de-chinelo, de excesso de canjebrina ao atrevimento dos gracejos com a namorada alheia...

Já houve tempo em que os acertos lastreados pelo sangue aconteciam à luz do dia e em palcos de notória audiência, como se as pessoas quisessem mesmo ser vistas executando a justiça com as próprias mãos.

O centro da cidade, a praça Ruy Barbosa, a Bernardino de Campos e adjacências foram o cenário de outros, vários outros, disparos que transformaram diferenças pessoais em grandes tragédias. No dia 30 de outubro de 1965, o dr. Euphly Jalles – conhecida figura pública da região, fundador de cidades e de jornais – desceu a pé a Bernardino de Campos, atravessou a Jorge Tibiriçá, cumprimentou os motoristas de táxi e, quando chegou à banca de jornais do Luís e do Marmita, em frente a Bambina, nem precisou pedir pelo seu Diário da Noite. O garoto que tomava conta da banca, o Carlinhos, filho do Marmita, entregou o jornal:

- Cuidado que solta tinta, dr. Euphly... Olha a roupa branca...

O fazendeiro agradeceu e retomou a caminhada pela lateral da praça, sem tirar os olhos das manchetes sensacionalistas do jornal de cabeçalho vermelho. Andou em direção à Voluntários, voltou a atravessar a Jorge, precisava comprar uma torneira na Lojoba, a loja de materiais de construção que pertencia ao prefeito Lotf João Bassitt. Ali, encontrou a morte, ao cruzar com um desafeto gerado pelas disputas pela posse de terras, o advogado Líbero Lucchesi. Houve discussão, xingamentos e o tiro fatal.

Algum tempo antes, Rio Preto fervilhava em torno do Café Pinho, na Bernardino, entre a Silva e Jorge – uma espécie de predecessor do “senadinho”, que hoje fica um quarteirão acima. Exatamente ali, como registrou o advogado e ex-vereador João Mangini em livro de memórias, dois conhecidos frequentadores – Calixto Fauaz e Reinaldo Turquetti – iniciaram um bate-boca que acabou com Calixto sacando a arma e atirando.

Seu desafeto foi salvo porque a bala pegou na caixa de óculos colocada no bolso da camisa.

JOSÉ LUÍS REY, Jornalista em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço aos domingos