Tanto faz
Os caciques é que decidem quem serão os candidatos, nem sempre o cardápio oferecido é do gosto do eleitor

Na última semana, analistas políticos e jornalistas se debruçaram sobre algo que marcou as eleições: o aumento da abstenção. Tivemos uma significativa ausência de eleitores às urnas. Na média nacional, mais de 29% não compareceram. Em Rio Preto foi pior: quase 35%, uma das maiores do país. Somada a abstenção aos brancos e nulos, ultrapassa os votos do prefeito eleito. Mas afinal, por que o eleitor tem votado cada vez menos?
Vários são os fatores. Aos poucos, as pessoas foram dando menos importância às eleições. Antigamente, dia de eleição era quase sagrado, não podia beber, não se fazia outra coisa a não ser votar. Também aumentaram as facilidades para a justificação de voto. Agora dá pra fazer até pelo celular. Há ainda, claro, o desencanto com a política. Muitos eleitores não acreditam que o voto vai mudar alguma coisa. Os caciques é que decidem quem serão os candidatos, nem sempre o cardápio oferecido é do gosto do eleitor.
Mas há outro fator, pouco mencionado: o “tanto faz”. Na vida moderna, cada vez mais cresce a visão de mundo do “tanto faz”. E nem estou falando só das novas gerações. Como disse o filósofo polonês Zygmunt Bauman, vivemos a modernidade líquida, onde prevalece o individualismo e perece o coletivismo.
Nessa liquidez, compromissos se tornam cada vez mais frágeis. Para muita gente a vida é um grande tanto faz. Tanto faz construir ou não uma carreira. Tanto faz ter uma casa ou morar de aluguel. Tanto faz casar, juntar ou apenas ficar. Tanto faz respeitar as regras ou dar um jeitinho. Não há apego a planos e projetos, não construção a longo prazo. Afinal, o imediatismo está aí, ao alcance de um clique na internet.
Para a sociedade onde é mais fácil comprar pronto do que produzir, onde não é preciso sair à rua para ter o produto em casa, o ato de votar (que exige ir ao colégio, enfrentar filas e esperar o resultado que pode nem ser o desejado) se torna algo que cada vez mais pode ser descartado. Votar nada mais é que a democracia na prática. Fazer política, no sentido original da “polis” da Grécia Antiga, é uma construção coletiva, uma preocupação com algo maior que o próprio indivíduo. Ou seja, tudo o que a liquidez moderna não incentiva.
E democracia dá trabalho, leva tempo. É uma construção lenta, com erros e acertos. O eleito de agora só vai mostrar seus méritos (ou deméritos) ao longo dos próximos anos. Não há resultado imediato, não há satisfação garantida. As novas gerações não viveram a conquista do direito ao voto, da participação feminina, das eleições diretas. Os que viveram não mais se lembram da intensidade daquelas conquistas. Para muitos, até a censura, tão combatida, cuja proibição está inscrita em pedra na nossa Constituição, é algo tolerável nos dias atuais.
O TSE anunciou que fará uma pesquisa para saber os motivos pelos quais o eleitor está deixando de comparecer às urnas. É possível que ela não mostre a importância do fator “tanto faz”. Afinal, tanto faz responder ou não a uma pesquisa do TSE.
SÉRGIO CLEMENTINO, Promotor de Justiça em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às terças-feiras