Salvatore D'Onofrio
'Pequena Enciclopédia', um livraço de 568 páginas organizadas em verbetes, se põe a resumir o essencial do saber humanístico: pensadores, artistas, obras e fatos históricos. Inicia-se com o teólogo e filósofo francês Pierre Abélard

Escrever um livro é afivelar mochilas para uma viagem na qual o escritor se extravasa e cujo deleite são os relatos dessa aventura. É um processo solitário de reunião e doação da experiência colhida em leituras e meditações. Revisito a admirável "Pequena Enciclopédia da Cultura Ocidental" (2005, Editora Campus), do colega da Unesp Salvatore D'Onofrio. Ali meu amigo se remoça em conhecimentos, doma a fera das palavras na rotação dos conceitos, transforma-se num Orfeu a cantar solenemente para acalmar oceanos e, por inteiro, se oferece como nascente de águas doces, elucidativas.
"Pequena Enciclopédia", um livraço de 568 páginas organizadas em verbetes, se põe a resumir o essencial do saber humanístico: pensadores, artistas, obras e fatos históricos. Inicia-se com o teólogo e filósofo francês Pierre Abélard. Compendia-lhe as ideias permeadas por medieval aceitação da própria tragédia e alude ao casamento com Héloise - um conto de amor que atravessou os séculos. Aborda o naturalista Émile Zola e nos lembra que o autor de "A Besta Humana" foi um dos criadores do romance experimental. A viagem intelectual finaliza com o item sobre o profeta iraniano Zoroastro, "aquele que riu ao nascer", e que inspirou ideias basilares no Ocidente como em "Assim Falou Zaratustra", de Nietzsche.
No preâmbulo da "Pequena Enciclopédia", Salvatore se expõe dum modo que o revela no mosaico intermitente de si mesmo. Faz louvação ao livro como fortuna imaterial, revolucionária e transformadora da humanidade. Afirma que a "cultura é a mais poderosa e eficaz arma política" e que os nossos tempos, talvez até mais do que outros, necessitam do conhecimento para efetivar a cidadania, liberdade, a moral e a ética. Com tais preceitos, exprime-se em linguagem direta, harmônica e sem o pedantismo usual nos ensaios acadêmicos os quais, tantas vezes, enfeixam exibições narcisistas, tediosas e herméticas.
A produção intelectual de Salvatore é intensa. Manifesta-se de importantes livros a "Cartas de Leitor" em jornais diários. Inclui bibliografia citada em teses e programas universitários como "Poema e Narrativa: Estruturas" (1978, Duas Cidades), "Da Odisseia ao Ulisses" (1981, Duas Cidades), "Literatura Ocidental" (1990, Ática), os dois tomos de "Teoria do Texto" (1995, Ática), "Metodologia do Trabalho Intelectual" (2000, Atlas), "Forma e Sentido do Texto Literário" (2008, Ática), "Pensar é Preciso" (2009, Editorama) e "Dicionário da Cultura Básica" (2011, edição digital, Unesp).
"Pequena Enciclopédia da Cultura Ocidental", de Salvatore D'Onofrio, é um sumário em que reluz a inteligência, método, amor à pesquisa e labor profissional. A retratar generosa presença a serviço da ciência e dos alunos, esse livro mimetiza a viagem dum cidadão sensível, opinativo e incansável. Que o convalida como um professor exemplar.
ROMILDO SANT'ANNA, Crítico de arte e jornalista. Livre-docente pela Unesp, é membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura (Arlec). Escreve quinzenalmente neste espaço aos domingo