Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Prosa de gente lerda

Como nós, caipiras, costumamos dizer, o mundo é dos espertos

por Lelé Arantes
Publicado em 05/07/2022 às 21:17Atualizado em 05/07/2022 às 21:39
Lelé Arantes (Reprodução)
Lelé Arantes (Reprodução)
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Há muitas coisas que são difíceis de aceitar e que deveriam ter aceitação natural. Ao longo de milhares de anos, o homo sapiens vem aprendendo com os animais. Eles só não inventaram a roda e mesmo assim há controvérsias. Alguns cientistas, como Richard Dawkins, acreditam que algumas espécies de bactérias a inventaram há bilhões de anos, mas não tínhamos microscópios para conhecê-las. Hoje se sabe que algumas bactérias carregam em si um microscópico motor molecular, um verdadeiro eixo de livre rotação…

Animais que demarcam território costumam respeitar o território alheio. Aqueles que disputam a dominância, enfiam a viola no saco quando perdem e se retiram. Vão lamber suas feridas longe do rebanho. Aceitar a derrota é uma arte que os animais sabem absorver porque, talvez, sejam desprovidos de ego, de orgulho, de vaidade. Lazslo Ávila explica!

Nós, os ditos seres humanos — que de humanos pouco temos — somos uma lástima quando comparados aos animais. Claro que sempre há exceções. O cientista Paulo César Naoum usa o DNA e os genes para explicar certas condutas humanas. Por exemplo: é possível que exista o DNA da maldade, da bondade e da indiferença?

Alguns cientistas dizem que ser de esquerda ou de direita também é uma questão de genes. Assim como há o gene da homofobia há também o da homossexualidade. Dessa forma, o DNA não nos permite encaixotar os seres humanos. O quadradinho não tem lugar na natureza, só nas religiões que são, do ponto de vista científico, uma invenção humana criada para que alguns poucos dominem milhares que precisam de conforto e ilusão para sobreviver neste vale de lágrimas.

Como nós, caipiras, costumamos dizer, o mundo é dos espertos.

Também a esperteza é uma condição genética. Todavia, débeis ou não, gênios ou não, medíocres na maioria esmagadora, todos nós queremos um pedacinho deste mundo que chamamos de nosso, mas que poucos têm.

Lembro-me de um rapaz que todos diziam ser lerdo da cabeça que ousou perguntar, ao professor de Teoria Geral do Estado, na faculdade de direito (eu cursei um ano e desisti; achei e continuo achando que não tenho estômago para defender velhacos e assassinos) que, se a propriedade era um direito natural para quem Deus vendeu o primeiro pedaço de terra?

Todos rimos, e o professor, pego com as calças arreadas, teve alguma dificuldade para explicar, mas logo acertou o passo e rezou o credo.

O aluno era mesmo lerdo! Talvez, tivesse o gene do comunismo impregnado no DNA. Não lhe cabia na cabeça o conceito de propriedade. Para ele, só havia o conceito do mais forte. Quem é forte impõe, os fracos se submetem. Ele via o mundo sob o domínio da tirania, dos impérios. Os tiranos tem os maiores exércitos, as melhores armas, as melhores narrativas.

Não sei onde anda o Lerdo, mas ele certamente tem uma visão subversiva da realidade, segundo os portadores do DNA da direita. Ou é um gênio incompreendido, diriam os esquerdistas. Ou é mesmo um tonto, segundo os indiferentes.

Na última vez que estive com ele, em um happy hour, eu tomando cerveja e ele single malt uísque sem gelo, ele me fez uma dessas perguntas estilo nó górdio:

— Por que os países que detêm armas nucleares se acham no direito de impedir que outros países tenham suas próprias, se eles não aceitam destruir as suas?

Minha resposta foi simplória como deve ser a resposta de alguém desprovido do conhecimento adequado:

— Para impedir que o planeta seja destruído por um acesso de fúria de algum governante com acesso ao botão vermelho.

Ele se limitou a ingerir um pequeno e demorado gole de uísque e esboçou um sorriso de Monalisa.

LELÉ ARANTES, Jornalista, escritor e historiador. Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras