Para onde vão as boas almas
Luiz Fernando era um homem que vivia do seu talento. Nós ficamos mais pobres ao perdê-lo. Fátima, sua companheira da vida toda, cuidará com carinho de sua imagem e de sua memória

Viver é perder. Se olharmos para a vida em retrospectiva veremos que ao longo da caminhada perdemos muito. Paradoxalmente, perdemos muito quando ganhamos muito. Por isto, todos os sábios, de Zoroastro a Maomé, passando por Sócrates, Jesus, Sidarta Gautama, Confúcio e outros iguais, nos aconselham a viver o dia de hoje. Somente o dia de hoje.
Esqueça o ontem e espere chegar o amanhã. Jesus disse, com a galhardia que lhe é peculiar: basta o dia de hoje. Ninguém sabe se estará vivo no próximo minuto. Se você estiver lendo essa crônica, significa que sobrevivi até colocar o ponto final.
Dia desses perdi mais um amigo. Mais que amigo, era meu mentor. Gastou horas de sua sabedoria e do seu conhecimento para enfiar coisas boas na minha cabeça. Fez-me ver que cada minuto da vida é um bem precioso e não podemos gastá-lo com futilidades. Fez-me enxergar quanto tempo joguei fora nas mesas de botecos, em conversas tolas e fúteis, quanto dinheiro bebi e depois urinei, quanto ouro queimei fumando e quanto do meu trabalho joguei no lixo acreditando que estava vivendo a vida, curtindo adoidado e me divertindo.
Esse era Luiz Fernando Garcia, que o imperador de todos os males levou embora. Ele tentou abrir meus olhos para o futuro sorrateiro. O hoje é o futuro que pensamos ontem. O fato de o futuro ainda não existir, significa que devemos gastar nosso hoje com olhos neste futuro, pois é indelével e incerto. Por ser atemporal, devemos nos preparar para o futuro vivendo aqui e agora.
Luiz Fernando foi tirado de nós no ápice da vida: naquele ponto onde sabedoria e conhecimento se juntam para espalhar frescor em um mundo cada vez mais árido. Uma perda inestimável. Para aqueles que acreditam na vida após a morte — e ele acreditava — eu cheguei a uma conclusão espiritualmente infantil sobre a vida antes da morte: aqui é um centro de treinamento. Os melhores, quando morrem, são levados para um lugar reservado para os aprovados, os seletos. Os medíocres, que formam a grande massa lá e aqui, vão e voltam continuamente. E os piores (dentre os quais me incluo), farão parte do grupo sem luz, habitando um lugar ao qual dão nome de Inferno: — diabos e demônios somos nós.
Quando digo que nossas perdas são imensas e que viver é perder, quero dizer que gastamos muito tempo com porcarias irreversíveis que não nos levam a lugar algum, enterrando o nosso talento em coisas infrutíferas, em trabalhos detestáveis, em ócio e preguiça, em pequenas vagabundagens ou em troças com o destino. Tempo vivido não volta mais. Viver bem é gastar bem o tempo com o seu talento.
Você já percebeu que todas as pessoas bem sucedidas são chamadas de talentosas? Ser bem sucedido não é ser rico de dinheiro. Não confunda as coisas. Ser rico é viver uma vida plena, é ser feliz vivendo do seu talento, é contentar-se consigo mesmo e com tudo o que está em sua volta, com seus ganhos e perda. É enfrentar as dificuldades e mudar a realidade.
Luiz Fernando era um homem que vivia do seu talento. Nós ficamos mais pobres ao perdê-lo. Fátima, sua companheira da vida toda, cuidará com carinho de sua imagem e de sua memória. Ela foi seu esteio e seu norte, tornando-o forte para que ele pudesse ser o nosso pilar e nosso mestre. Que Deus o receba e o leve para o lugar onde devem estar as boas almas. E junto, receba também Hermes Cunha, brilhante arquiteto da minha pequena Cosmorama. Todos ganhamos muito com eles e agora os perdemos. Eles deixaram para nós o melhor de si. Saibamos aproveitar.
LELÉ ARANTES, Jornalista, escritor e historiador. Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras