Diário da Região
Painel de Ideias

Marley e a Esperança

O bem-sucedido resultado da intervenção nos deu um cachorro saudável, carinhoso, dócil e protetor, e aquele animal abandonado teria, então, um novo lar, uma nova história

por Ary Ramos da Silva Júnior
Publicado em 03/12/2021 às 20:09Atualizado em 04/12/2021 às 07:52
João Paulo Vani (João Paulo Vani)
João Paulo Vani (João Paulo Vani)
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Há quem passe a vida toda esperando que algo grande aconteça para mudar sua vida, e acaba perdendo as inúmeras pequenas coisas que realmente alteram nossas narrativas.

Me lembro que já era noite quando, naquele chuvoso 18 de março de 2015, minha esposa entrou em casa e me disse que havia um labrador perdido em frente ao condomínio. E mais: após passar o dia todo entre idas e vindas, subindo e descendo a avenida, havia pela primeira vez entrado pelo portão, junto com ela, como se a tivesse escolhido para uma nova fase de sua vida. Sem que eu conseguisse sequer pensar, já havia respondido “sim” ao seu pedido de ficar com ele.

Véspera de feriado local, lá estávamos nós com um cachorro estranho, magro, com as costelas aparecendo. Para que sua hospedagem fosse segura a todos, tivemos de fazer um grande arranjo, fechando aqui, abrindo ali, organizando acolá, preservando a saudosa e rabugenta cocker spaniel, a Ninoca, e os gatos, Chico e Joey. Felizmente, deu tudo certo.

Passados feriado e final de semana, na segunda-feira levamos o labrador à veterinária, e começaram as surpresas: “é um animal adulto, com sete ou oito anos”, disse a doutora; “ele está com pontos de castração inflamados”; “vamos fazer um exame de sangue?”. Resultado: além dos evidentes cuidados, o pobre estava com a doença do carrapato.

Seguiram-se então algumas semanas de tratamento, cuidados importantes para a recuperação do animal, que de modo bastante óbvio acabou batizado como Marley, uma homenagem ao cão-astro-de-Hollywood do filme homônimo.

O bem-sucedido resultado da intervenção nos deu um cachorro saudável, carinhoso, dócil e protetor, e aquele animal abandonado teria, então, um novo lar, uma nova história.

Passados poucos meses, descobrimos que Marley estava com um tumor, e o procedimento curativo envolveria cirurgia e sessões de quimioterapia. Apreensivos, seguimos os protocolos recomendados e, seis meses depois de iniciadas as sessões, o danado estava novamente forte e saudável.

Marley faz parte de nossa família, recebe carinho e atenção e tem suas necessidades muito bem atendidas. Com a nossa ajuda, seu destino de cão-doente-abandonado fora transformado em uma realidade bastante confortável.

Os anos passaram e, em 2020, o mundo tomou um baque com a chegada da Covid-19 e, com ela, a guerra sanitária que se seguiu: países fechando suas fronteiras, milhões de mortos em todo o mundo e a população global sofrendo restrições de circulação.

A obrigatoriedade de ficar em casa fez com que muitas pessoas descobrissem as vantagens – e o alento – na adoção de um animal: rapidamente pode-se perceber os efeitos terapêuticos em conviver com um companheiro-bicho. Para muitos, essa presença fez toda a diferença.

Com a proximidade do final do ano, e com o mundo impondo novas restrições na busca pelo equilíbrio entre os vacinados, os não-vacinados e o que nos reserva a chegada da nova variante Ômicron, devemos olhar para o horizonte e buscar alguma esperança nas pequenas coisas, a mesma que me toca quando chego em casa e me encontro com o Marley.

Prof. Dr. João Paulo Vani, Presidente da Academia Brasileira de Escritores (Abresc). Escreve quinzenalmente neste espaço aos sábados