Independência e liberdade
Pessoas e instituições vão cada vez mais ‘esticando a corda’. Um lado pede o impeachment de magistrados, o outro pede a saída do próprio presidente. Enfim, uma verdadeira queda de braço

Nunca houve um 7 de setembro como esse. Quando criança, o Dia Independência era algo formal. As escolas iam ao desfile, os alunos em formação quase militar. Havia muita ordem e pouca liberdade. O desfile era bonito, a população corria pra assistir. Tinha fanfara, tinha carro alegórico. Tudo muito organizado. Um dia fui “promovido” a porta bandeira. Comecei com a paulista, cheguei ao posto máximo: a Bandeira Nacional. Era uma posição privilegiada. Começava o desfile na frente, parava defronte ao palanque das autoridades, e só saia no final. Podia assistir toda a apresentação do melhor ângulo.
Hoje os tempos são outros. Nosso 7 de setembro não teve desfiles. Teve manifestações. Grandes, políticas, polêmicas. Não é de hoje que o país está dividido. Seguidos governos apostaram no “nós contra eles”. A tática destruiu pontes e ergueu muros. O diálogo é cada vez mais difícil. Seja na política, no bar ou no grupo de WhatsApp. Narrativas parciais se tornaram verdades absolutas. O resultado está aí. Um abismo cada vez maior. A novidade, triste, é que em um dos lados está a Justiça (na verdade, parte dela). Não cabe neste espaço dizer como integrantes de tribunais superiores foram parar em um dos lados da contenda (um lado vai dizer que eles se colocaram lá, outro vai dizer que foram empurrados). O fato é que lá estão. A cada discurso segue uma “resposta”, a cada crítica (ou ataque como um lado costuma dizer) segue um revide.
Enfim, a temperatura subiu. Muito. Há algumas décadas (desde que me vi na faculdade de direito), aprendi a compreender os caminhos (e descaminhos) da organização político-social brasileira. Nunca fomos dados a muita estabilidade. Mas não havíamos chegado ao ponto que chegamos. Pela primeira vez, a sensação é de que uma mudança grave e séria pode realmente acontecer. Pessoas e instituições vão cada vez mais “esticando a corda”. Um lado pede o impeachment de magistrados, o outro pede a saída do próprio presidente. Enfim, uma verdadeira queda de braço. A cada novo lance, surgem novas armas.
O risco de que um dia a corda arrebente só faz aumentar. A imprensa, que poderia contribuir num momento desse, não tem ajudado muito. Grandes órgãos assumiram um dos lados e participam ativamente da briga. Sobrou mesmo só o cidadão comum. Aquele, que na teoria e nos grandes discursos, seria o povo. Mesmo sem entender a fundo de política, ele consegue ver os erros cada vez mais graves de ambos os lados. Então procura tocar a vida, pagar as contas, garantir o emprego. Enfim, está tocando o país enquanto a tormenta se desenrola.
Que os donos das rédeas (das canetas, dos microfones, das armas) saibam que pessoas e instituições não são a mesma coisa. Pessoas passam, instituições ficam. Daqui a alguns anos o poder terá mudado de mãos (talvez mais de uma vez). É preciso baixar armas, encontrar os caminho da paz e estabelecer o convívio possível. Para que nossa independência possa significar, de fato, liberdade.
SÉRGIO CLEMENTINO, Promotor de Justiça em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às sextas-feira