História e Literatura
Em tempos difíceis, a melhor ferramenta para escapar da desinformação e da mentira das Fake News é o pensamento crítico; é não acreditar em todo e qualquer conteúdo recebido; é questionar-se sobre os objetivos da notícia recebida e quem poderiam ser os beneficiados com sua propagação

Ano novo, vida nova. Os novos ciclos não apenas representam um novo fôlego, como também a possibilidade de novas narrativas. Entretanto, diante da velocidade da informação e das divergências encontradas sobre o que é ou não real, tem sido cada vez mais importante compreender o passado.
A relação estreita que pode ser observada entre História e Literatura não é recente. Estudiosos da área, como a teórica Linda Hutcheon, veem na representação tanto da História quanto da Literatura um entrelaçamento entre o fato histórico e a ficção, fazendo com que o leitor não tenha o alcance do quanto de realidade e de ficção existe nas narrativas, uma vez que a fronteira entre ambas pode se confundir, em uma mútua contaminação: fato histórico permeado de ficção e ficção permeada por fatos históricos. A diferença conceitual entre os dois trabalhos reside no fato de o historiador ter um “dever social” com a verdade, enquanto o autor de ficção tem liberdade para produzir narrativas assumidamente ficcionais, ainda que permeadas por elementos reais.
Ao considerar que a ferramenta do historiador é a mesma do autor de ficção, e é também a mesma do jornalista – a linguagem – podemos compreender que cada um desses profissionais poderá assumir uma postura distinta em relação à criação textual, a saber: ao historiador recai o compromisso com a verdade; da mesma forma, ao jornalista, cabe o compromisso de produzir conteúdo informativo, sob uma perspectiva que privilegie a verdade dos fatos, sobre os quais não opina, dos quais não participa, produzindo um texto absolutamente informativo. Por sua vez, ao autor de obras de ficção, escapa a todo e qualquer compromisso com a verdade, sendo-lhe possível assumir uma criação ficcional a partir de nenhum documento histórico ou de nenhum registro jornalístico. Essa perspectiva já constava das reflexões de Aristóteles: a poesia ultrapassa a História, pois não se restringe a apresentar os fatos ocorridos, mas por apresentar os fatos que poderiam vir a acontecer.
Porém, todos os pressupostos acima se baseiam em um “dever social”, elemento ético e moral que em nossos tempos não tem estado constantemente presente, e a principal prova disso é a devastação causada pelas Fake News – nome pomposo para as notícias mentirosas e infames que circulam em redes sociais e grupos de troca de mensagens e, vez por outra, vai parar em portais de notícias de veículos que acabam por priorizar a velocidade da informação e não sua autenticidade.
Em tempos difíceis, a melhor ferramenta para escapar da desinformação e da mentira das Fake News é o pensamento crítico; é não acreditar em todo e qualquer conteúdo recebido; é questionar-se sobre os objetivos da notícia recebida e quem poderiam ser os beneficiados com sua propagação. Além disso, torna-se fundamental considerar se a notícia é ou não razoável, aceitável.
Para 2022, desejo que possamos olhar mais e mais para História e Literatura, fazendo do questionamento e da leitura nossos companheiros, de modo a sobrevivermos à desastrosa epidemia de Fake News.
João Paulo Vani, Presidente da Academia Brasileira de Escritores (Abresc). Escreve quinzenalmente neste espaço aos sábados.