É pau, é pedra
Nos últimos anos, a Rio Preto de lá também teve outro episódio de importância histórica: inspirou o maestro Tom Jobim durante uma de suas estadas no sítio Poço Fundo

São José do Rio Preto, assim chamada por juntar o nome de seu santo padroeiro com o nome do rio de águas turvas que a corta ao meio, teve que mudar de nome, em 1987, quando o sonho de emancipação de seus pioneiros finalmente se concretizou. Ao ganhar o status de município, perdeu o direito ao nome, que já era utilizado por um município mais antigo, localizado no distante noroeste paulista.
A opção foi transformar-se em São José do Vale do Rio Preto, próspera comunidade de vocação rural incrustada como uma joia na bela região serrana do Estado do Rio – adornada por uma topografia acidentada, de onde pendem longas quedas d´água que parecem filetes de diamantes jogados displicentemente sobre as encostas íngremes. Essa nossa cidade xará, antigo distrito de Petrópolis, manteve-se na placidez da exuberância desse cenário natural até poucos anos atrás, quando foi duramente castigada pela fúria dos deslizamentos de terra e pelo transbordamento do rio que lhe deu o batismo.
Tal como na nossa Rio Preto paulista, foram também as famílias mineiras que desbravaram as terras de lá e era por uma das estradas que cortavam a região do sertão do rio Preto que o jovem alferes Joaquim José da Silva Xavier costumava passar, em suas idas e vidas para o Rio de Janeiro. Um dia, no caminho, conheceu a formosa Ana Rosa e desse relacionamento nasceu um filho, José Paulo de Oliveira – um legítimo rio-pretense que, por razões óbvias, não recebeu o nome do pai.
Muitos descendentes de Tiradentes deram curso, em relacionamentos conjugais, a ramificações da família Oliveira e isso acabou dando à Rio Preto de lá três prefeitos tetranetos do heroico inconfidente.
Lá, os trilhos do trem chegaram quase 30 anos antes de chegarem à cidade homônima, do noroeste paulista. A proximidade da nobreza com a elite latifundiária dos barões do café fez nascer precocemente uma linha de trem serpenteando o rio Preto.
Foi por essa estrada que, em 1887, a família Imperial – Pedro II à frente – viajou até São José do Rio Preto. Por ali, o imperador elegeu o reduto secreto que costumava frequentar em companhia de sua cortesã favorita.
Nos últimos anos, a Rio Preto de lá também teve outro episódio de importância histórica: inspirou o maestro Tom Jobim durante uma de suas estadas no sítio Poço Fundo. Sentado na varanda de uma casinha que lhe permitia apreciar a mágica de uma chuva torrencial que empapava o lugar num dia qualquer do mês de março, ele transformou em poesia as coisas que via rolando pela enxurrada – a lama, sapos e rãs, um caco de vidro, paus e pedras, os reflexos da luz da manhã. Dizem, nesse dia, o também maestro João Gilberto, em visita ao sítio, ficou encravado com o carro na lama.
E assim sucedeu que a nossa cidade xará na serra fluminense ajudou na criação da letra de “Águas de Março”.
JOSÉ LUÍS REY, Jornalista em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço aos domingos