Adolescência
A educação sobre o uso responsável das redes, especialmente dentro do ambiente familiar, como sugere a minissérie “Adolescência” em seu desfecho, torna-se essencial para prevenir o cyberbullying, a propagação de discursos de ódio e outros riscos

No amanhecer de um dia comum em uma cidade inglesa, a família Miller é despertada pelo estrondo da porta sendo arrombada por policiais. O filho adolescente é levado sob custódia, deixando todos em estado de choque, sem qualquer explicação sobre sua prisão. A partir desse momento, a vida da família nunca mais será a mesma. Essa cena inicial, acompanhada pela movimentação labiríntica da filmagem dentro da delegacia, marcada por sua frieza burocrática, em “Adolescência”, minissérie da Netflix, evoca as primeiras angústias de “O Processo”, de Franz Kafka.
Jamie Miller, de 13 anos, assassina a facadas Katie, sua colega de escola. Seguindo, ao que parece, o conselho de Razumikhin em “Crime e Castigo”, que afirma que os fatos não são tudo em uma investigação, na media em que metade do caso se baseia na interpretação desses fatos, os policiais visitam a escola onde autor e vítima estudavam. Eles constatam que, assim como os demais estudantes, ambos estavam imersos nos padrões de comportamento propagados pela internet, sem nenhuma vigilância adulta.
Os investigadores descobrem que os jovens utilizam ícones gráficos no Instagram como forma de comunicação. Ao analisarem as manifestações de Katie, percebem que, ao rejeitar as investidas amorosas de Jamie por meio de emojis, ela acabou impulsionando, ainda que indiretamente, o cyberbullying contra ele. Além disso, identificam que Andrew Tate, um influenciador digital que responsabiliza o feminismo pelo enfraquecimento dos homens e os incentiva a reagir, inclusive com violência, pode ter influenciado a conduta homicida de Jamie. Isso se torna ainda mais claro durante sua entrevista com a psicóloga.
A motivação criminosa, se não é torpe ou fútil, é absurda. No entanto, Dostoiévski já destacava, por meio de uma de suas personagens mais sombrias, Svidrigáilov, que “a juventude instruída se consome em sonhos e devaneios imprecisos, excitando-se com teorias estapafúrdias”. Vale ressaltar que ideias disparatadas não são novidade entre adolescentes. Tolstói, em sua segunda obra, parcialmente autobiográfica, também intitulada “Adolescência” (1854), narra o desejo do jovem Nikolai de assassinar seu professor francês, Saint-Jérôme. Tolstói observa ainda: “Li em algum lugar que crianças entre 12 e 14 anos apresentam uma tendência particular para causar incêndios e até cometer assassinatos”.
O elemento que distingue e torna nossa época mais ameaçadora é a amplificação das pregações abomináveis, disseminadas para inúmeras crianças e adolescentes por meio das redes sociais. Os algoritmos dessas plataformas priorizam a audiência, relegando a um segundo plano os filtros e as curadorias de conteúdos inadequados e perigosos. Essa realidade, apontada por especialistas como potencialmente capaz de estimular automutilações, brincadeiras fatais, suicídios e práticas criminosas, tem levado países como a Austrália a restringir o acesso de menores de 16 anos às redes sociais.
No Brasil, o controle do acesso de menores de 18 anos às redes sociais cabe aos pais, e não ao Estado. Embora as plataformas estabeleçam uma idade mínima para a criação de perfis, geralmente a partir dos 13 anos, essa regra é frequentemente ignorada. Diante desse cenário, a educação sobre o uso responsável das redes, especialmente dentro do ambiente familiar, como sugere a minissérie “Adolescência” em seu desfecho, torna-se essencial para prevenir o cyberbullying, a propagação de discursos de ódio e outros riscos que podem afetar crianças e adolescentes.
EVANDRO PELARIN, Juiz da Vara da Infância e Juventude de Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às terças-feiras