Batendo cabeça
Nota técnica do Ministério da Saúde contra a vacinação de adolescentes é irresponsável e causa alarmismo desnecessário

A Prefeitura de Rio Preto agiu de forma exemplarmente acertada ao ignorar a esdrúxula recomendação do Ministério da Saúde de suspender a vacinação de adolescentes entre 12 e 17 anos contra a Covid. Em uma nota confusa, que inclusive não passou pela Câmara Técnica do Programa Nacional de Imunizações do próprio Ministério da Saúde, o ministro Marcelo Queiroga recomendou que Estados e municípios não imunizassem adolescentes.
As justificativas dadas pelo ministro são obtusas e desencontradas. A nota diz que a orientação é baseada em evidências científicas que consideram o baixo risco de óbitos ou casos mais graves da Covid neste público. Em seguida, cita que foram verificados “eventos adversos a serem investigados” que, segundo o secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Arnaldo Medeiros, somam 114 em um universo de mais de 3,5 milhões de adolescentes vacinados, o que representa ínfimos 0,003%. Os tais “eventos adversos” são nada mais que febre, dor de cabeça ou no local da vacina.
O Ministério da Saúde destaca ainda, de forma alarmista, um único caso de uma adolescente de 16 anos, moradora de São Bernardo do Campo, que morreu após tomar a vacina. Uma análise conjunta realizada por 70 pesquisadores da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, porém, concluiu que a morte da adolescente decorreu de uma doença autoimune, a Púrpura Trombótica Trombocitopênica (PTT), e que não há nenhuma relação com a vacina. Em Rio Preto, 96% do público entre 12 e 17 anos já recebeu a primeira dose e sem um evento adverso sequer.
A decisão é tão grave e irresponsável que a Câmara Técnica do Programa Nacional de Imunizações, composta por professores, especialistas, representantes de sociedades de classe e conselhos de secretários estaduais e municipais de Saúde, já ameaça uma renúncia coletiva caso Queiroga não recue. Esse grupo é o responsável por subsidiar tecnicamente o Ministério da Saúde em suas decisões.
O ministro distorceu inclusive o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que “não recomenda a imunização de criança e adolescente”. Ocorre que essa manifestação da OMS nada tem a ver com possíveis riscos da imunização a esse grupo, ao contrário, diz que a vacinação de adolescentes não deve ser prioridade em locais onde faltam imunizantes. A organização reforça que, havendo doses suficientes, todos devem se vacinar.
Esse, na verdade, parece ser o real motivo da suspensão, algo que não é assumido pelo Ministério da Saúde. “As vacinas podem ser dadas para adolescentes. A verdade é que não tem vacina pra todo mundo”, afirma o pesquisador e virologista Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp). Só em Rio Preto, 6,7 mil pessoas aguardam para tomar a primeira dose.
O Ministério da Saúde, que deveria ser a solução, mais uma vez torna-se parte do problema, lançando dúvidas sobre a vacina e deixando pais e mães indevidamente apreensivos quanto à imunização dos seus filhos. O coronavírus só tem a agradecer tanta trapalhada.