Sim, não ou talvez
A sociedade machista sempre viu os desejos femininos de maneira desconfiada

As piadas sempre são reveladoras de aspectos importantes de nossa sociedade. O que nos serve de motivo de riso revela aspectos do que somos, do que pensamos e do que acreditamos. Há uma historinha – meio piada –, mas totalmente machista, na qual se pergunta: qual a diferença entre um engenheiro, um diplomata e uma dama? Ao que se responde que um engenheiro quando diz “sim”, é sim; quando diz “não”, é não. E se um engenheiro diz “talvez”? Ele não é um engenheiro. Um diplomata quando diz “sim”, é talvez; quando diz “talvez”, é não. E se um diplomata diz “não”? Ele não é um diplomata. Uma dama quando diz “não”, é talvez. Quando diz “talvez”, é sim. E se uma dama diz “sim”? Ela não é uma dama.
Essa historinha, ao tentar fazer rir, revela traços de nossas crenças relativas aos três personagens. No caso do engenheiro revela que acreditamos que a técnica ou que as ciências chamadas exatas são sempre absolutamente e totalmente objetivas, como se o fato de estarmos em constante construção do conhecimento e o elemento humano, com todas as suas dúvidas e contradições, pudesse ser deixado totalmente de fora dessa construção. E assim, não se admite o “talvez”.
Em relação ao diplomata, considerando a complexidade das relações internacionais, a ideia de que nunca se deve dizer “não”, que existe sempre alguma possibilidade de negociação ou de revisão do que se está propondo ou exigindo parece até razoável. Entretanto, difícil pensar que em nenhuma negociação ou sob nenhum aspecto o representante de uma nação não possa dizer “não”. A diplomacia – que deve ter os valores de uma nação como respaldo de suas negociações - certamente precisa negar algumas coisas para poder aceitar outras.
Entendo que o personagem mais problemático da historinha – e por isso a considero uma historinha machista – é a dama, definida como aquela que nunca diz “sim” e cujo “não” não merece crédito. A versão masculina e também machista da dama é o cavalheiro que, ao contrário, nunca diz “não”. Na fantasia de conquista sexual machista, os cavalheiros estão sempre dispostos e como não podem dizer “não”, talvez por isso não podem ouvir também. Na nossa sociedade machista os desejos femininos sempre foram vistos de maneira desconfiada. As “boas” mulheres ainda devem ser tímidas, recatadas e escolhidas. O ímpeto e a manifestação do que desejamos – sexualmente ou em outras áreas de nossas vidas - ainda é visto com olhos recriminadores. Ser uma mulher que diz “sim” é confundido com leviandade ou uma audácia exagerada.
Infelizmente essa historinha está no ar e nos ajuda, em parte, a compreender a necessidade das campanhas contra o estupro insistentemente repetirem que “não” tem que ser entendido como não.
Sugiro uma mudança nessa historinha, que a deixará mais simples e provavelmente fará com que perca sua graça machista – se é que se pode ver graça no machismo. Proponho que uma dama (ou qualquer pessoa interessante, independente do sexo) possa dizer o que deseja.
E quando disser “não”, ele seja entendido como “não” e respeitado. Quando disser “talvez”, isso signifique simplesmente que não tem certeza, por isso há uma possibilidade que ele se torne um “sim” ou que se torne um “não”. E se ela disser “sim”? Significa que ela concordou com você ou gostou de você. Simples assim.
Monica Abrantes Galindo
Professora da Unesp, membro do Coletivo Mulheres na Política e do projeto Mulheres no Plural