Diário da Região
ARTIGO

O problema do metano

Não basta monitorar, urge regular, controlar, fiscalizar e punir emissões transfronteiriças

por José Mário Ferreira de Andrade
Publicado em 08/10/2022 às 01:09Atualizado em 08/10/2022 às 01:32
José Mário Ferreira de Andrade (Reprodução)
José Mário Ferreira de Andrade (Reprodução)
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Após perturbações sísmicas incomuns no Mar Báltico, vários vazamentos de metano (CH4) foram descobertos no final de setembro nos gasodutos subaquáticos Nord Stream 1 e 2, perto da Dinamarca e da Suécia. Esses gasodutos não transportavam gás no momento das explosões, mas ainda continham CH4 pressurizado – o principal componente do gás natural – que se expeliu causando um amplo fluxo de bolhas na superfície do mar com 500 a 700 m de diâmetro, segundo a Agência Espacial Europeia.

O CH4 não é tóxico, dissolve-se parcialmente na água, liberando posteriormente dióxido de carbono (CO2), mas é o segundo gás de efeito estufa antropogênico mais abundante na atmosfera causador de mudanças climáticas.

À medida que o CH4 pressurizado vazava e subia rapidamente em direção à superfície do mar, o tamanho das bolhas de gás aumentava inversamente à pressão, que diminuía. As grandes bolhas de gás romperam a superfície do mar acima do local da ruptura do gasoduto. As imensas marcas do gás borbulhando na superfície do mar puderam ser vistas do espaço de várias maneiras.

Devido à cobertura de nuvens persistente sobre a área, as aquisições de imagens de satélites ópticos mostraram-se extremamente difíceis.

Vários dias depois, uma redução significativa no diâmetro estimado do distúrbio de CH4 foi testemunhada à medida que o gás dos dutos se esvaziava.

Vazamentos como esse provocam um "enrugamento" da superfície do mar, passível de ser captado pelos satélites.

Uma dessas perturbações da superfície do mar ocorreu a sudeste da ilha dinamarquesa de Bornholm. Um satélite ICEYE passando sobre a área na noite de 28/09/2022 obteve uma imagem mostrando uma perturbação na superfície do mar acima da ruptura do gasoduto.

Monitorar o CH4 sobre a água é extremamente difícil, pois a água absorve a maior parte da luz solar nos comprimentos de onda infravermelho e de ondas curtas usados ​​para o sensoriamento remoto de CH4. Isso limita a quantidade de luz que chega ao sensor, tornando extremamente difícil medir as concentrações de CH4 sobre o mar em altas latitudes.

Em 30/09/2922 a GHGSat, líder em monitoramento de emissões de CH4 do espaço, mediu a taxa de emissão de CH4 = 79.000 kg por hora – tornando-se o maior vazamento de CH4 já detectado pelo GHGSat de uma única fonte pontual. Essa taxa é extremamente alta, especialmente considerando seus quatro dias de vazamento.

Embora fechadas na época, as duas hastes do Nord Stream continham gás suficiente para liberar 300.000 t CH4 – mais que o dobro da quantidade liberada pelo vazamento do Aliso Canyon na Califórnia ao longo de vários meses em 2015-16.

Por maior que seja o vazamento de CH4 no Nord Stream, é pouco comparado com 80 milhões de toneladas emitidas a cada ano pela indústria de petróleo e gás. A última estimativa é que o vazamento equivale a um dia e meio de emissões globais de CH4.

Esse relato da Agência Espacial Europeia evidencia como a tecnologia espacial dos satélites avançou e consegue monitorar as emissões dos gases de efeito estufa. Mas não basta monitorar, urge regular, controlar, fiscalizar e punir emissões transfronteiriças como essas que agravam o aquecimento global.

José Mário Ferreira de Andrade, Engenheiro civil e sanitarista