Lata d’água na cabeça
Consumir água inapropriada é ameaçar a saúde, é correr o risco de adoecer e morrer

Lata d’água na cabeça, lá vai Maria. Essa marchinha de carnaval composta em 1952, eternizada na voz de intérpretes incríveis como Marlene e Elza Soares, é um grito sobre o problema que até hoje ameaça a população mundial e, acima de tudo, nós mulheres.
Criado pela ONU em 1992 aqui no Brasil, quando éramos a sede da ECO-92, o Dia Mundial da Água é um lembrete de que ela é essencial para a sobrevivência de todo ser vivo, e que é um recurso escasso.
Apesar de o planeta ter 70% de sua superfície coberta de água, menos de 1% dela é própria para o consumo. Do total de água disponível, 97% estão nos mares e oceanos (água salgada), 3% são de água doce e apenas 1% está nos rios e nos aquíferos, estão no subterrâneo.
É às margens dos rios que as mulheres de ontem e de hoje ganham o pão de cada dia lavando a roupa de seus patrões. São as mulheres que mais sofrem com a falta de água encanada. São elas que, após um dia exaustivo de trabalho, retornam para casa, abrem a torneira e a encontram sem uma gota de água para realizar todas as tarefas do lar. A falta de água é um assunto para ser debatido com e por mulheres. São elas que transportam as latas d'água na cabeça e na alma.
Nesse país tropical, de verões intensos, quente e seco, inúmeras famílias sofrem com a falta de água potável. É mais fácil o homem viajar para o espaço, pisar na lua do que levar água potável para todas as pessoas.
Cerca de 748 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a água potável e 1,8 bilhão de pessoas utilizam, bebem, consomem água contaminada.
Consumir água inapropriada é ameaçar a saúde, é correr o risco de adoecer e morrer. É sobrecarregar o sistema de saúde com doenças que podem ser evitadas.
Durante a pandemia da Covid-19 esse problema ficou latente: inúmeras pessoas não tinham água adequada para lavar as mãos!
Diante dessa realidade, é muito interessante que no dia Mundial da Água a pauta mais debatida seja a economia desse recurso, e, acima de tudo, a economia que o cidadão comum pode fazer, como se nós, consumidores, pudéssemos resolver esse problema. Não podemos. É claro que consumir água limpa com responsabilidade é dever de todo mundo, mas o problema é outro.
Nós, consumidoras, pagamos pela água, sentimos no bolso quando não economizamos. De acordo com dados fornecidos pela ONU, quem mais consome água no mundo é o agronegócio. Ele consome cerca de 70% dos recursos hídricos e no Brasil esse número aumenta, 80%. Boa parte dele é desperdiçado, não há critério e muito menos tecnologia para esse consumo. Outros 7% estão na indústria e apenas 33% estão em nossas mãos.
Foi a indústria responsável pelos maiores crimes ambientais contra nossos rios. A catástrofe ocorrida em Mariana com o rompimento da barragem, não pode cair no esquecimento. Nesse episódio triste foi lançado no rio Gualaxo (que deságua no Rio Doce), todo tipo de resíduo tóxico, causando assoreamento, mudança em seu curso, soterramento de nascentes.
A contaminação dos rios pela utilização do mercúrio no garimpo foi notícia, mas já caiu no esquecimento.
No Brasil, a cada 100 litros de água tratada, 37 litros se perdem nas ligações irregulares e nos vazamentos. Quem é responsável por isso?
Quem é responsável pela poluição dos rios com os dejetos lançados do esgoto? Quem paga a conta é quem está na ponta, são os mais pobres. Exija mudanças!
Cristiane Lopes de Souza Azevedo, Pedagoga, booktuber e membra do Coletivo Mulheres na Política