Diário da Região
ARTIGO

Decifrando ברוך דיין האמת: זכרונו לברכה, carta III

Ainda na segunda estrofe (...) o poema articula uma reflexão sobre a brevidade dos dias

por ODAMIM: Guilherme Vinhatico Cury
Publicado em 20/11/2024 às 16:59Atualizado em 20/11/2024 às 23:10
ODAMIM: Guilherme Vinhatico Cury (Divulgação)
ODAMIM: Guilherme Vinhatico Cury (Divulgação)
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Dando seguimento nas explicações sobre o meu poema Barukh Dayan haEmet: Zichrono Livrakhah, vos escrevo.

Ainda na segunda estrofe, como expliquei em minha última carta sobre a transitoriedade da existência, o poema articula uma reflexão sobre a brevidade dos dias, revelando uma consciência de que o tempo, embora precioso, é fugaz. Mas, antes de findar, há uma conexão direta em que o solo da primeira estrofe é, enfim, semeado, quando suas sementes, que usufruem dessa paz, zelam por eles e mantêm intactas as suas memórias. Aqui, sementes, além de carregar um significado simbólico de continuidade — representando a progênie e suas gerações subsequentes — também indica a esperança no futuro, já que quando uma semente é lançada, espera-se e acredita-se, mesmo sem a garantia do porvir, como quando, ao deitar antes de dormir, ainda que sem saber se estaremos vivos no amanhã, colocamos o relógio para despertar, porque tudo está nas mãos dos Céus, exceto o temor dos Céus. Neste mesmo instante, revela-se que o objetivo dos antepassados foi alcançado e que a Paz que tanto sonhavam e encontraram apenas na morte, enfim, conheceu seus descendentes.

Antes que a segunda estrofe encerre com a enigmática bênção Benditos àqueles que aqui descansam — na qual o adjunto adverbial de lugar “aqui” não desempenha seu papel com clareza, deixando em aberto a incógnita sobre onde me refiro ao mencionar o lugar de descanso dos meus antepassados, que pode ser “aqui” no poema, “aqui” nos supracitados céus, “aqui” em minhas memórias ou “aqui” como o lugar onde não devem ser esquecidos — é proclamado o sagrado juramento como alerta: Se eu me esquecer deles, que os Céus se esqueçam de mim. Esta frase, ecoada fortemente no Tehilim 137:5-6, onde o exilado jura nunca esquecer Yerushalayim, foi introduzida por meus ancestrais no rito iniciático da silenciosa irmandade semítica chamada ‘Ordem dos Filhos da Estrela Oculta do Antigo Oriente’ e ganhou maior significado em 1915, ao ser consolidada como expressão de devoção e compromisso moral no contexto da memória coletiva em relação ao Genocídio Armênio.

Meu trisavô, Khazen Al-Khoury, tomou conhecimento disso ao se aproximar da comunidade armênia que também buscou refúgio no interior paulista, e que também se esforçou em se distanciar do decadente Império Otomano daquela geração, então liderado pelo movimento dos Jovens Turcos. Essa alusão intensifica o compromisso do eu lírico com a memória dos antepassados, equiparando o esquecimento a uma forma de traição divina e demonstrando o intercâmbio cultural entre refugiados que se viam como irmãos.

Minha próxima carta será a última sobre o tema.

ODAMIM: Guilherme Vinhatico Cury (Shlomo ben’Esav ibn-Ismail), Artesão das Artes Plásticas, escultor, desenhista heráldico, ilustrador e poeta