Alvorada Voraz
Década de 80 foi um misto de boas lembranças com pesadelos terríveis; recordá-los é, portanto, uma espécie de exercício saudável que impede que, quem os vivenciou, jamais queira sonhá-los novamente

Quem nasceu de meados dos anos 70 para trás deve, ou pelo menos deveria, se lembrar de como foram os anos da década de 1980, aqui no Brasil. Essa década é um misto de boas lembranças com pesadelos terríveis (daqueles que ninguém consegue esquecer). Aliás, alguns dos pesadelos que assombraram os brasileiros, naquela década, e para o bem das gerações futuras, nunca deveriam ser esquecidos.
Recordar esses pesadelos é, portanto, uma espécie de exercício saudável que impede que, quem os vivenciou, jamais queira sonhá-los novamente.
Bem, nos livros de economia brasileira, a década de 1980 é conhecida como a “década perdida”. O país sofreu, severamente, os efeitos decorrentes da situação econômica internacional que se somaram a um quadro de completa desestruturação da economia interna. Como resultado, houve uma profunda recessão de 1981 a 1983. Merece destaque o fato de que, internamente, grande parte dos problemas econômicos eram, na verdade, efeitos colaterais dos planos econômicos implementados a partir do Golpe de 1964, ou seja, durante a ditadura militar (Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG, em 1964; o “Milagre Econômico”, de 1968 a 1973; e, II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND, em 1974).
Apesar das significativas taxas de crescimento econômico, especialmente durante o período que ficou conhecido como “milagre econômico”, os pesquisadores da área de desenvolvimento socioeconômico, que se dedicaram ao estudo do assunto, como o professor Antonio Corrêa de Lacerda, entre outros, sempre afirmaram que o crescimento econômico registrado naquela época não se refletiu no aumento do bem-estar do conjunto da população.
Os próprios membros do governo diziam “a economia vai bem, mas o povo vai mal”. O salário-mínimo sofreu uma perda de poder aquisitivo de 42% entre 1964 e 1974. Enfim, houve um agravamento de todo quadro social no país, incompatível com o aumento da riqueza nacional. Voltando à década de 1980, o ano de 1984, felizmente, o último ano de governo do General João Baptista de Oliveira Figueiredo, pode ser resumido como o ano do reconhecimento do fracasso de todas as tentativas ortodoxas de estabilização da economia brasileira ao longo da ditadura militar.
Mas os pesadelos da década de 1980 não haviam acabado, ainda. Mesmo depois de Sarney assumir a presidência e das tentativas de estabilização da economia (Plano Cruzado, Plano Cruzado II, Plano Bresser e Plano Verão), a inflação, a desvalorização monetária e a incompetência política triunfaram. Os últimos meses do Governo Sarney ficaram marcados pelo caos político e econômico. A taxa de inflação anual, em 1989, foi de 1.764,86%. No contexto internacional, a credibilidade na economia brasileira era inexistente.
Por fim, o último pesadelo da década de 1980, foi a eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989. Collor foi eleito a partir de uma campanha que o proclamava como o “caçador de marajás” e o presidente que combateria duramente a corrupção. Além disso, Collor vendia uma imagem de atleta, piloto de moto e de jet ski.
Tive uma espécie déjà vu nesses últimos 4 anos, vi um tipo de reencarnação do Collor que, para mim, sempre foi um filhote da ditadura, como outros tantos que se auto proclamam alguma coisa, e que estão por aí.
No entanto, houve coisas boas nos anos 80, também: a seleção de Telê Santana, de 1982; o movimento das “Diretas já” (que replantou a semente da democracia neste país); a Constituição de 1988 (que assegura que a árvore da democracia, semeada no movimento das “Diretas já”, é a única fonte capaz de produzir frutos de liberdade para saciar os brasileiros).
Houve, ainda, uma explosão de bandas brasileiras de Rock (Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso, Blitz, Legião Urbana, Capital Inicial, Titãs, RPM etc.). Tenho viva em minha memória, por exemplo, uma das letras da Banda RPM, chamada “Alvorada voraz”:
na virada do século
Alvorada voraz
nos aguardam exércitos
que nos guardam da paz
que paz?
A face do mal
um grito de horror
um fato normal
um êxtase de dor
e medo de tudo
medo do nada
medo da vida
assim engatilhada
fardas
e força
forjam
as armações...”
Bem, a letra é auto explicativa. Então, para quem ficou, viva a democracia. Para quem fugiu, adeus!
Ademar Pereira dos Reis Filho, Docente da Fatec Rio Preto e diretor-presidente da Faperp