Simples para quem?

A reforma tributária sobre o consumo reposiciona o tabuleiro em que micro, pequenas e médias empresas tomam decisões; manteve-se o Simples Nacional no ordenamento, mas a adoção da não cumulatividade plena e a nova lógica de créditos recolocam a competitividade no centro do debate.
Em um ambiente em que a cadeia de valor passa a ser lida por créditos financeiros e débitos de IBS e CBS, a pergunta que importa deixou de ser somente qual alíquota nominal se aplica; agora, importa sobretudo quem compra de quem, quais fornecedores geram crédito, que clientes conseguem aproveitá-lo e como cada elo repassa custo ou captura margem.
Para empresas posicionadas no meio da cadeia, que vendem predominantemente para outras empresas, a escolha do regime tributário será cada vez menos automática; a depender da composição de fornecedores e clientes, permanecer no Simples pode significar não gerar créditos para o comprador e, por consequência, perder preço relativo frente a concorrentes enquadrados nos regimes não cumulativos.
Esse novo desenho exige realismo e matemática. Em cenários testados por consultorias e departamentos financeiros, regimes tradicionalmente associados a empresas de maior porte, como o Lucro Real, mostram-se mais eficientes quando há folha relevante, despesas dedutíveis expressivas ou forte incidência de insumos tributados que geram crédito; em outros, o Lucro Presumido preserva margem com simplicidade operacional.
A reforma ainda abriu a via do chamado regime híbrido para optantes do Simples, em que IBS e CBS são recolhidos fora do DAS; a contrapartida é maior complexidade de apuração e a necessidade de governança fiscal mais robusta, embora essa opção permita participar do jogo de créditos e, assim, reduzir o “custo invisível” para o cliente empresarial. Não há bala de prata; o que há é uma engenharia fina de comparações que precisa ser refeita diante de qualquer mudança relevante de mix de produtos, de fornecedores ou de carteira de clientes.
Também é ilusório supor que as empresas na ponta da cadeia, voltadas ao consumidor final, ficarão imunes. A reforma reorganiza preços relativos ao longo da cadeia e, quando fornecedores mudam de regime ou de alíquotas efetivas, esse efeito chega ao varejo; às vezes como pressão de custos, às vezes como oportunidade competitiva para quem estiver melhor posicionado no fluxo de créditos.
O peso da folha de salários continua sendo uma variável decisiva; setores que já recolhem contribuições previdenciárias fora do Simples têm menos degraus na transição para regimes não cumulativos, o que pode encurtar o caminho quando a matemática aponta nessa direção. Em certos casos, empresas mistas – que vendem tanto para consumidor final quanto para contribuinte empresarial – avaliam segmentar operações em CNPJs distintos para otimizar o aproveitamento de créditos sem perder simplicidade onde ela ainda gera ganho.
O calendário de transição, com fases que começam em 2026 e avançam em 2027, não deve anestesiar a tomada de decisão; ao contrário, é a janela para simular, comparar e testar processos. A orientação prática é menos glamourosa que qualquer promessa tecnológica, porém mais valiosa: garantir a integridade da presença digital e documental, mapear a jornada do cliente para saber quais dados importam, organizar informações de compras e de vendas com granularidade suficiente para medir créditos e débitos, e rodar cenários trimestrais que considerem preço, margem e capital de giro.
A partir daí, decidir com evidência e não por inércia. A reforma não torna o Simples automaticamente pior nem melhor; ela torna a escolha mais estratégica. Para alguns, permanecer será o caminho lógico; para outros, migrar reduzirá carga e aumentará margem; para muitos, o híbrido oferecerá um meio-termo exigente, porém compensador. O que a economia regional não pode é tratar 2026 e 2027 como datas distantes; são marcos para quem deseja atravessar a transição ganhando competitividade. A decisão correta começa antes da lei valer integralmente, com números na mesa, compreensão da posição na cadeia e disciplina de execução.
Janaina Vanisio Franco
Diretora-tesoureira Geral da Acirp