O Saci voltou em alto estilo
Privar um saci da liberdade é, no entender do jurista Durval de Noronha Goyos Junior e o sacizófilo Jocelino Soares, crime hediondo, passível de punição com pena de prisão durante 77 anos

Esta semana, o Saci foi visto novamente em Rio Preto, após um longo período de raras aparições, especialmente desde quando as grandes touceiras de bambuzais praticamente desapareceram da região urbana e desde quando um de seus mais notáveis criadores na cidade – o jornalista Zeca Pontes - mudou-se para Votuporanga. Voltou imortalizado em uma pintura a óleo de autoria do artista plástico também sacizófilo Jocelino Soares e incorporada ao acervo do Instituto Noronha Goyos, capitaneado pelo escritor, advogado e não menos sacizófilo Durval de Noronha Goyos Junior.
Foi recebido com honras, tais como a reprodução da música “Rio Preto Tem Saci, Sim Senhor”, dos sacizófilos eméritos Fernando Marques e Vicente Serroni, o descerramento solene do quadro em questão, sem faltar ótimo vinho e os inigualáveis acepipes (pastéis e bolinhos de bacalhau de autoria de mais um sacizófilo incorrigível, o Nelson Tadao Hattori, aquele da melhor pastelaria do Mercadão.
Só se dispensou, em matéria de requintes protocolares, o uso do tapete vermelho para a caminhada do homenageado, mas por razões compreensíveis – os movimentos saltitantes poderiam resultar em indesejável acidente.
Os convidados não se cansavam de exaltar as virtudes resilientes do menino de pele negra, mas de origem indígena, seu comportamento travesso, o cachimbo irreverente, o gorro vermelho que lhe confere poderes mágicos e a destreza de uma única perna, sobre a qual saltita pela floresta. Todos reverenciavam a sua condição de uma das mais emblemáticas lendas do folclore brasileiro. A todo momento, alguém se lembrava de histórias dando conta de como ele se diverte fazendo brincadeiras com os animais e com as pessoas, fazendo tranças no rabo dos bichos durante a noite, provocando redemoinhos, escondendo objetos como os dedais das costureiras, assoviando estridentemente para assustar os viajantes, trocando os recipientes de sal pelos de açúcar e distrair as cozinheiras para que elas deixem queimar a comida. Como guardião das plantas e ervas medicinais, gosta de confundir as pessoas que tentam pegá-las sem autorização.
Mas houve também um momento de apreensão, quando o jornalista sacizófilo Lelé Arantes lembrou que a captura de um saci demanda critérios específicos: é preciso atirar uma peneira no meio de um redemoinho e retirar-lhe o gorro para só então prendê-lo em uma garrafa.
Mas, privar um saci da liberdade é, no entender do jurista Durval de Noronha Goyos Junior e o sacizófilo Jocelino Soares, crime hediondo, passível de punição com pena de prisão durante 77 anos.
Acredita-se que o Saci nasce do broto de bambu, onde permanece até os sete anos. Vive até 77 anos. Ao morrer, dizem que se torna um cogumelo venenoso.
A lenda do saci existe desde os fins do período colonial brasileiro e tem origem em tribos indígenas do sul do país. A palavra Saci vem de termo tupi que remete a um pássaro também conhecido como Matita Pererê ou Matim Pererê. Inicialmente, o personagem era retratado como um menino negro que possuía as duas pernas e um rabo. Com o avanço da influência africana, ele perdeu uma perna lutando capoeira. Com é contada em todas as regiões brasileiras, a lenda sofreu modificações regionais importantes, mas conserva a essência do menino travesso que luta apara proteger o meio ambiente e divertir as pessoas com brincadeiras sem maldade.
É muito bom saber que ele está por aqui e é bem protegido.
JOSÉ LUÍS REY
Jornalista em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço aos domingos