Diário da Região
Painel de ideias

E não é que a Copa aconteceu em 1950?

Naqueles dias de junho de 1950, nem mesmo a desistência de três das 16 seleções classificadas dava motivos à desconfiança sobre a realização do Mundial

por José Luís Rey
Publicado há 7 horas
José Luís Rey (Divulgação)
José Luís Rey (Divulgação)
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- Será que vai ter Copa? – o apontador de jogo-do-bicho perguntou ao balconista do Bar do Jeca enquanto apoiava os cotovelos sobre o balcão de fórmica preta e aguardava que lhe servissem o cafezinho fumegante.

- Claro que vai. Por que não haveria de ter?!? Faltam menos de 15 dias – opinou firme o interlocutor ainda segurando o bule e o coador de pano.

- Acontece que já li no Estadão que as seleções da Índia, da Turquia e da Escócia não vêm mais. Desistiram...

Naqueles dias de junho de 1950, nem mesmo a desistência de três das 16 seleções classificadas - o mundo ainda se ressentindo dos efeitos trágicos da Segunda Guerra – dava motivos à desconfiança sobre a realização do Mundial. O Brasil tinha sido escolhido país sede por unanimidade, já estavam prontos cinco dos seis estádios onde se realizariam as partidas, faltava apenas boa reforma em cada um deles, que deveriam possuir arquibancada para pelo menos 20 mil pessoas, alambrados, cabines para imprensa e autoridades e túneis ligando os vestiários ao campo de jogo.

Eram as únicas exigências do “Padrão Fifa” da época. Não havia obrigações quanto ao transporte coletivo, aeroportos, hospitais e outros itens de infraestrutura.

- Vai ter Copa, sim – reafirmou o apontador do jogo-de-bicho ao passar novamente pelo Jeca dois ou três dias depois. “O Velho garante”.

O “Velho” era o presidente da República, Getúlio Vargas, a cuja força política no pós-guerra muitos brasileiros atribuíam um peso decisivo para a realização do evento no país.

Nos dias seguintes, o otimismo “Padrão Fifa” do confiante apontador do bicho sofreu alternâncias de graduação. Às vésperas do Mundial, o Brasil se complicou. A Presidência da República chegou a criar uma certa “Comissão de Estádios”, mas mesmo assim nenhum deles ficou pronto com a antecedência desejada – nem o Pacaembu, inaugurado dez anos antes, considerado moderno para a época e submetido a uma reforma geral.

- Parece que a coisa complicou um pouco – o apontador, em suas passagens pelo Jeca atualizava seus clientes com as notícias que recolhia antes, nas leituras do Estadão.

Uma vistoria feita pelo presidente da Federação italiana constatou que o tamanho do gramado do Pacaembu não era adequado, assim como a área para a imprensa. Além disso, tinha que se fazer urgentemente o calçamento em torno do estádio para acabar com o lamaçal dos dias de chuva, reformar o sistema de drenagem e abrir novos portões para o acesso e escoamento do público.

Mas chegou o dia. A Copa começou. Naqueles dias de junho e julho, o apontador do bicho desapareceu do Jeca. Suspeitava-se que tinha passado a frequentar o Ao Posto 2, na General Glicério, para acompanhar os jogos pelo rádio sintonizado na Cadeia Verde Amarela, da rádio Bandeirantes.

As 13 seleções divididas em quatro grupos – um deles com apenas dois integrantes, Uruguai e Bolívia – reduziram-se às quatro primeiras colocadas, que disputaram um quadrangular. No último jogo, contra o Uruguai, o Brasil só precisava empatar para ser campeão.

Deu no que deu. Teve Copa, sim.

JOSÉ LUÍS REY

Jornalista em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço aos domingos