Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Zeitgeist, TDI e Tiktok

por Mara Lúcia Madureira
Publicado em 10/09/2025 às 20:59Atualizado em 11/09/2025 às 11:25
Mara Lúcia Madureira (Mara Lúcia Madureira)
Mara Lúcia Madureira (Mara Lúcia Madureira)
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O espírito da época, ou zeitgeist, tem seu paralelo na atualidade como trending topics - assuntos que recebem muita atenção na Internet, porém, com velocidade e alcance incomparáveis aos do século XVIII. Em determinados períodos históricos, tais fenômenos dominam o interesse genérico, e prestam serviços e desserviços à sociedade global. Se por um lado, a exposição responsável de temas de interesse público é um difusor útil de conhecimento, por outro, a produção compulsiva de conteúdos desatinados pode representar consequências catastróficas para muitas pessoas, no mundo todo.

Os transtornos mentais sempre inspiraram fetiches e preconceitos. Porém, a realidade é muito mais sofrida e disfuncional do que o “zeitgeist” sugere. Os posts e debates amadores sobre o tema, o compartilhamento de experiências pessoais e checklists para diagnósticos são, na maioria dos casos, sensacionalistas e geram milhões de visualizações e engajamento quase instantâneos, sem nenhum controle.

Os transtornos mentais representam sofrimento significativo e disfuncionalidade para os pacientes. O diagnóstico exige avaliação criteriosa, conhecimento da história do paciente, investigação de comorbidades, e acompanhamento médico e psicológico por especialistas no tema. Não basta se identificar com alguns sintomas para se diagnosticar. O pedantismo de muitos produtores de conteúdos digitais pode colocar em risco a saúde e a reputação de usuários ingênuos.

Uma recente pesquisa, realizada pela Associação de Máquinas de Computação (ACM), dos Estados Unidos, mostrou que o uso indiscriminado de plataformas, do tipo TikTok, pode afetar, negativamente, a saúde mental dos usuários; servir de refúgio e obstáculo para pessoas com algum transtorno mental e que, um quarto dos usuários têm entre 10 e 19 anos, fase de construção da identidade e vulnerabilidade à exposição de conteúdos irresponsáveis.

De tempos em tempos, um transtorno mental assume o protagonismo midiático. O público, por se identificar com um ou outro sintoma, costuma se autodiagnosticar, sem qualquer critério lógico, com depressão, fobias, TDAH, Transtorno Biopolar, Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), Transtornos de Personalidade Borderline, etc. Muitos têm “diagnosticado” até a mãe, com Transtorno de Personalidade Narcisista. É também comum, entre os jovens, procurar atendimento médico com uma lista, decorada, de sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtornos de Humor e de Ansiedade, com a intenção de obter prescrição de medicamentos para fins de abuso.

No TikTok, cresce o número de jovens que se apresentam sob diversas interpretações, como se a cada momento, uma de suas múltiplas personalidades assumisse o protagonismo de sua vida. Esses indivíduos, são muito mais inspirados pelo filme “Fragmentado” (2016), ou por simuladores, do que pacientes com TDI. A simulação é a dissimulação intencional de sintomas físicos e psíquicos com a finalidade de obter benefícios, tais como evitar responsabilidades, receber benefícios, atenção ou notoriedade midiática.

Na realidade, o TDI é um transtorno associado a traumas, em geral, por abusos sexuais ou violência física, especialmente na infância. É caracterizado por pelo menos dois estados de personalidade que se alternam. A fragmentação da identidade costuma provocar amnésia. Aspectos conhecidos por uma identidade pode ou não ser por outra. A descontinuidade dentre o senso do eu e o autocontrole é uma forma de proteção psicológica.

O diagnóstico é feito com base na história de vida do paciente. E quanto mais precoce, mais rápidas as melhoras e maiores as chances de sucesso no tratamento. Por tratar-se de um transtorno complexo, o tratamento envolve diversas modalidades terapêuticas, compartilhadas entre psicólogos e psiquiatras especialistas.

MARA LÚCIA MADUREIRA

Psicóloga cognitivo-comportamental em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às quintas-feiras