Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Safo, a musa do feminismo

Com inteligência e brilhantismo, mudou a história da poesia clássica e a percepção do papel da mulher na sociedade

por Durval de Noronha Goyos Jr.
Publicado há 5 horasAtualizado há 2 horas
Durval de Noronha Goyos Jr. (Durval de Noronha Goyos Jr.)
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Durval de Noronha Goyos Jr. (Durval de Noronha Goyos Jr.)
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Na mitologia grega, as musas são padroeiras e inspiradoras das artes. Segundo Hesíodo, poeta grego nascido em 776 a.C., pouco após Homero (nascido em 850 a.C.), em Teogonia, eram em número de 9, todas filhas de Zeus e Mnemosine (memória). As musas insuflavam e abençoavam a história (Clio); a música lírica (Euterpe); a comédia (Talia); a tragedia (Melpomene); a dança (Terpsicore); a poesia amorosa (Erato); os hinos (Polimnia); a astronomia (Urania); e a oratória (Calliope). Safo, nascida na ilha grega de Lesbo por volta de 630 a.C., foi a primeira grande poeta no mundo ocidental. Com inteligência e brilhantismo, mudou a história da poesia clássica e a percepção do papel da mulher na sociedade.

Embora bissexual, talvez a contragosto, Safo celebrou o amor lésbico na poesia. Um de seus poemas, intitulado “À mulher amada” traz o verso “o desespero me leva a tudo ousar”. A sua obra original consistiu em cerca de 12.000 versos, mas hoje destes restam apenas cerca de 500, muitos em fragmentos, de leitura e interpretação difíceis. A língua grega por ela utilizada era diversa daquela de Homero. Grande parte de seus escritos foi queimada no século 11 d.C. pelo papa Gregório VII, quem instituiu o celibato para os padres católicos.

Pois bem, Safo refinou a métrica de seu tempo, que passou a levar o seu nome, além de estabelecer uma escola feminina. É seu o poema “Contra uma Mulher”, que tem expressivos versos de grande sensibilidade feminista e impressionam por sua atualidade, mesmo 2.600 anos após escritos, inspirando a luta feminina contra os abusos, até os nossos dias: “Contigo, sob a pedra fria, descerá toda a sua memória, perdida aqui embaixo para sempre... Você atravessará o império sombrio sem que um morto se digne a lhe sorrir”.

Ademais, com perspicácia e acuidade, Safo introduziu o parâmetro do efeito estético no campo da crítica literária, sendo precursora na interpretação epistemológica, bem como nos estudos conceituais, estilísticos e formais relacionados a este tema. No conhecido fragmento 50, um dos textos remanescentes, a extraordinária poeta deixou registrado:

“Virtude é beleza,

O belo somente o é, se admirado

O valoroso é imediatamente belo”.

A genialidade de Safo foi reconhecida por seus contemporâneos e admirada posteriormente à sua morte. Platão, nascido em 428 a.C., foi influenciado por sua poesia amorosa, nas palavras de Diotima, citadas por Agatão, no ‘Banquete’. Num epigrama, Platão tratou a poeta de Lesbos como “maravilha de mulher”. Segundo Posidippo, nascido em 310 a.C., Platão teria afirmado fossem 10 as musas e Safo fosse a décima. Em célebre epigrama na ‘Antologia Palatina’, Antípatro de Sidon, nascido em 170 a.C., reiterou a figuração de Safo como tal.

À décima musa, contudo, no período clássico grego, não foi atribuída uma modalidade de inspiração. O termo feminista foi originalmente criado pelo filósofo socialista francês, Charles Fourier, apenas em 1837. Todavia, o sentimento feminista como um direito humano, persistiu através dos tempos, mesmo na Idade Média, como na obra da filósofa e poeta Cristina de Pisano, nascida em 1364. No Brasil, a poetisa Gilka Machado, nascida em 1893, inspirou gerações de mulheres. O feminismo é uma essencial causa humanística.

DURVAL DE NORONHA GOYOS JR.

Escritor polígrafo. Ex-presidente da UBE. Da Academia de Letras de Portugal. Diretor do Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo. Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras