Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Os segredos do Itamaraty

Infelizmente, o Itamaraty tem longa tradição na prática do mais escabroso patrimonialismo, em detrimento dos interesses públicos e a favor daqueles pessoais e de classe, frequentemente de caráter ilegal e escandaloso

por Durval de Noronha Goyos Jr.
Publicado há 7 horasAtualizado há 2 horas
Durval de Noronha Goyos Jr. (Durval de Noronha Goyos Jr.)
Galeria
Durval de Noronha Goyos Jr. (Durval de Noronha Goyos Jr.)
Ouvir matéria

Raimundo Faoro, grande jurista brasileiro, escreveu que a Proclamação da República foi um golpe militar oportunista expresso numa parada. O novo regime manteve a ordem patrimonialista até então vigente, desde os tempos coloniais, mas a alterou elevando os militares para uma posição de protagonismo no seio do Estado, “mero dispenseiro de recursos, para o jogo interno da troca de vantagens”. Uma parcial exceção deu-se no tocante ao Itamaraty, o qual manteve o seu viés aristocrático e forma idiossincrática de perversão dos interesses nacionais.

Dentro de sua longa e consistente prática de ocultação das vergonhas, infâmias e incompetências, em 5.11.2025, o ministério publicou uma portaria (sic), firmada pelo titular, Mauro Vieira, institucionalizando o sigilo eterno ao vedar o acesso por tempo indeterminado de documentos “independentemente de classificação” (sic). O meio utilizado evoca os arbítrios havidos durante o regime ditatorial de 1964. De fato, trata-se de uma violação aos termos da Lei de Acesso à Informação de 2011 e cerceamento de Direitos assegurados pela Constituição, inclusive pelo artigo 5º XXXIV, que assegura a postulação em Juízo em caso de ilegalidade, lesão ou abuso de poder. A não observância deste dispositivo impede o uso de remédios constitucionais da cidadania como a ação popular, o habeas corpus e o mandado de segurança.

Infelizmente, o Itamaraty tem longa tradição na prática do mais escabroso patrimonialismo, em detrimento dos interesses públicos e a favor daqueles pessoais e de classe, frequentemente de caráter ilegal e escandaloso. Ocasionalmente, há ações favoráveis a terceiros países, cuja existência pretende-se varrer para debaixo dos tapetes da chancelaria e das opulentas embaixadas, destinadas a atender os vorazes egos diplomáticos e prover meios para a promoção de seus interesses. A respeito de tais atos, dentre outros, há registros por José Maurício Bustani e Luís Alberto Moniz Bandeira, no governo FHC.

Às vezes, procura o Itamaraty acobertar uma fraude à Lei. De fato, em 2007, o ministério promoveu no exterior um concurso para a contratação de advogados estrangeiros, mediante anúncio no jornal ECHO, de Bruxelas, em flagrante violação à legislação brasileira de licitações públicas. A publicação no exterior visava fugir ao escrutínio da cidadania. A fraude havia sido armada no próprio gabinete do ministro de Estado, Celso Amorin, por sua amiga, a Lelé Farani de Azevêdo, uma diplomata de ideologia espúria e lealdades transversas.

Diante dos fatos, impetrou-se mandado de segurança para declarar a nulidade do referido processo, distribuído para a 15ª Vara Federal de Brasília, sob o número 2007.34.00.030189-7. A correspondente medida liminar foi prontamente concedida. Sem alternativas, face às severas consequências de seu ato, o Itamaraty anulou ele mesmo o edital do embuste, o que causou a perda do objeto da postulação. O propósito da medida foi alcançado, mas o anúncio, formalmente em ordem, foi refeito com o objetivo disparatado de contratar o mesmo escritório de advogados dos EUA, então concretizado. O episódio demonstrou as vilanias possíveis no seio do governo, sem o respaldo da publicidade, e deixa o alerta sobre as medidas que ensejem o vilipêndio das garantias legais e constitucionais.

DURVAL DE NORONHA GOYOS JR.

Advogado (Brasil, Inglaterra e Portugal). Jurista e escritor polígrafo. Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras