The Jurist vs. The Economist
Não se trata de aqui prejulgar os réus, mas tentar desmistificar teses juridicamente vazias, que são a todo tempo replicadas nas redes sociais

Começando o julgamento de Bolsonaro (e outros) na terça-feira, 2, e, não havendo intercorrências processuais, se encerrando em 12 de setembro, terei a oportunidade de apresentar algumas reflexões, tanto nesta antevéspera, quanto no domingo que sucederá ao acórdão da Suprema Corte; se valeu o britânico The Economist (28/08), que também valha The Jurist riopretense.
A primeira acusação, de que Bolsonaro infringiu a Lei n. 12.850, de 2013 (Lei de Organização Criminosa), por si só possibilita que a pena de reclusão, inicialmente fixada num mínimo de 3 e até o máximo de 8 anos, possa ser aumentada em mais metade (Art. 2º, § 2º), pelo emprego de arma de fogo nos atos de 08 de janeiro de 2022; essa pena ainda sofre o agravamento (Art. 2º, § 3º), considerando a acusação de que Bolsonaro e outros, mesmo que não tenham praticado pessoalmente qualquer ato de execução, exerciam a liderança na tal organização criminosa. Se tudo já não bastasse, essa pena ainda é aumentada em até dois terços, pela participação de funcionários públicos (Art. 2º, § 4º, II).
Outra acusação é de tentar, com emprego de violência, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais (Código Penal, Art. 359-L), cuja pena é de 4 a 8 anos de reclusão; soma-se a ela mais a acusação de tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, que prevê a mais grave das penas: reclusão de 4 a 12 anos (Código Penal, Art. 359-M). Finalmente, Bolsonaro (e outros) ainda é acusado pelos danos contra o patrimônio da União (Código Penal, Art. 163, p.ú., I, III e IV), com pena de até 3 anos de detenção, e deterioração de patrimônio tombado (Art. 62, I, da Lei n. 9.605, de1998), cuja pena é de até 3 anos de reclusão.
Um dos tantos argumentos dos aliados de Bolsonaro é de que, não tendo tomado o poder por golpe de Estado, tudo não teria passado de atos preparatórios, que são legalmente impuníveis; perdoem-me, mas há nessa tese um erro grosseiro, porque os crimes de tentativa de golpe (Arts. 359-L e 359-M) são o que chamamos “crimes formais” ou “de consumação antecipada”, em que a mera ação de tentar bastará para consumação; de mais a mais, veja-se que a regra do artigo 31 do Código Penal, de que tais atos não seriam puníveis, se o crime não chegasse, pelo menos, a ser tentado, traz uma expressa exceção: “salvo disposição expressa em contrário” (e nesse caso há disposição em contrário expressa).
Outros ainda dizem que o fato de as Forças Armadas não terem atendido aos apelos patrióticos de intervenção militar levaria àquilo que juridicamente se define como “Crime impossível” (Código Penal, Art. 17), porque sem elas seria impossível consumar-se o crime de golpe de Estado; ledo engano, porque, repita-se, esses crimes são formais e assim, mesmo sem a concretização da tomada do poder, são punidos pela tão só tentativa.
Não se trata de aqui prejulgar os réus, mas tentar desmistificar teses juridicamente vazias, que são a todo tempo replicadas nas redes sociais; tanto que, em minha particular visão jurídica, peca a Procuradoria-Geral da República em apontar todos esses crimes em concurso material, quando, pelo princípio da consunção, deveria ser um só (e o mais grave) deles: o de tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído (Código Penal, Art. 359-M).
Postas essas premissas de ordem técnica, vale agora uma provocação de ordem lógica àqueles que defendem uma anistia; é que a anistia é o perdão para um crime, daí porque não há como se defender uma anistia, sem antes reconhecer que houve o crime.
Azor Lopes da Silva Júnior
Advogado, professor de direito e coronel da Polícia Militar