Sofismas de políticos e dos especialistas
O custeio de todo o aparato policial de persecução penal deve ser dos cofres públicos, tal como o é para o custeio do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Poder Judiciário

Em meu último artigo nesta coluna, cuidei da operação policial havida no Rio de Janeiro (28/10), onde os confrontos resultaram na morte de 121 pessoas, sendo 4 policiais. Tratei do “Projeto de Lei Antifacção” (PL 5582/25), que Lula havia enviado ao Congresso, agora já aprovado na Câmara com uma série de mudanças no texto original e remetido ao Senado, onde o relator, Senador Alessandro Vieira (MDB-SE) já anunciou que certamente virão outras tantas.
Não só em meu parecer, como nos de outros analistas, o projeto não enfrenta os pontos centrais do problema da criminalidade organizada, mas somente procura mostrar ao povo uma falsa atitude do Estado, tornando-se moeda pré-eleitoral dos opostos ideológicos.
Apontei que a raiz do problema seria a ineficiência do Governo Federal, naquilo que constitucionalmente compete com exclusividade à Polícia Federal: os negócios centrais das organizações criminosas em redes interestaduais e internacionais, que exigem prevenção e repressão uniformes; afinal, o principal produto ainda é a droga e a cadeia de negócios envolve sua importação, exportação e comercialização no território nacional.
Aprovado o projeto na Câmara, a principal das tantas críticas do Governo Federal restou centrada no destino dos bens e valores apreendidos que, na sua visão, deveriam ser revertidos à Polícia Federal, enquanto para o relator, Deputado Guilherme Derrite (PL-SP), deveriam ser destinados às polícias estaduais.
Ora, digo eu, deveriam ser esses bens e valores a base do financiamento da atividade policial? Óbvio que não! O custeio de todo o aparato policial de persecução penal deve ser dos cofres públicos, tal como o é para o custeio do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Poder Judiciário; a ideia de o crime custear seu próprio combate é algo ilógico e imoral.
Como se pode esperar que uma corporação nacional composta por cerca de 13 mil agentes possa prevenir e reprimir a entrada de drogas numa fronteira seca de 15.719 km, sua circulação e comercialização num território nacional de 8,511.965 km², e a saída de considerável parte desse produto, com destino à Europa e Estados Unidos, por uma fronteira marítima de 7.367 km? Mas por que esse efetivo não é aumentado para atender as demandas de prevenção e repressão, em busca de resultados com esperados níveis de eficiência?
Uma das razões, que ninguém ousa confessar, é que isso não faz parte dos interesses pautados pela estratégia corporativa da própria Polícia Federal, a partir da máxima de que se somarão outros tantos a se alimentar do mesmo bolo orçamentário destinado ao custeio de pessoal. Outra razão oculta é que segurança pública não é algo que historicamente já tenha interessado ao Governo Federal, senão nos palanques políticos e para alimentar discursos supostamente conservadores de maior rigor punitivo versus outros de ressocialização alardeados pelos ditos progressistas; ambos não passam de sofismas, construídos a partir de meias-verdades, temperadas com grandes mentiras, ao final servidas num prato de hipocrisia, que é digerido por um povo apaixonado pelo fanatismo e pelo populismo.
Assim, esse terreno, árido de eficiência e seriedade, acaba por ser fértil à germinação das pragas da corrupção policial e política, afinal, quando um problema é apresentado como altamente complexo, parece ser difícil e leviano cobrar uma eficiente gestão por resultados; basta, para alimentar a plateia, o efeito midiático de “grandes operações policiais” relatadas com o recurso de elementos meramente conceituais, como “inteligência policial”, “ação interagências” e outras tantas construídas pelos acadêmicos especialistas em segurança pública.
Azor Lopes da Silva Júnior
Advogado, professor de direito e coronel da Polícia Militar