Sobre trabalho e ócio
O antropólogo da moda, Michel Alcoforado, no livro “Coisa de Rico”, discute que o tempo é o novo símbolo de status das elites contemporâneas

No final do século passado, o sociólogo italiano Domenico De Masi fez sucesso no Brasil. De Masi dizia que o futuro apontava para um ócio criativo: um tempo de trabalho diminuído, readequado, integrado com o lazer e mais livre para a produção de ideias. Para ele, tal cenário dependia de três grandes democratizações: do trabalho, da riqueza e do conhecimento.
Talvez estejamos trilhando esse caminho, mesmo que lentamente. Vivemos, hoje, um aumento da ocupação - a democratização do trabalho -, ainda que necessitemos questionar a qualidade desse trabalho, já que muitas vezes ele é precarizado, exaustivo e mal remunerado. Os programas sociais e a reforma tributária colaboram para uma democratização da riqueza, muito aquém ainda do que necessitamos, considerando que amargamos o fato de sermos um dos países com um dos maiores índices de desigualdade social do mundo. As reservas de vagas nas universidades contribuem para a democratização do conhecimento em uma via dupla: os que acessam a universidade ampliam suas possibilidades de conhecimento e a universidade ao recebê-los tem a oportunidade de repensar o conhecimento que produz.
Quase 30 anos depois dos livros e das visitas de De Masi ao Brasil, a realidade é paradoxal, os que trabalham, estão trabalhando mais. A tecnologia nos trouxe avanços, mas não diminuiu nosso tempo de trabalho. O ócio e a gestão do tempo viraram um luxo. O antropólogo da moda, Michel Alcoforado, no livro “Coisa de Rico”, discute que o tempo é o novo símbolo de status das elites contemporâneas. A ostentação migrou de bens materiais, que podem ser mais facilmente imitáveis, para bens escassos, como tempo livre e bem-estar.
A esperança, entretanto, reside no fato de que o tempo histórico é mais extenso que nosso tempo de vida, e os saldos positivos e negativos das mudanças só podem ser vistos nesse tempo histórico ampliado.
Terminamos 2025 com a jornada de 5 dias de trabalho e 2 dias de descanso, sem alteração dos salários, com chances de ser aprovada. Assim como na época da abolição do sistema de escravidão e também na época de Getúlio Vargas, com a Consolidação das Leis Trabalhistas, mexer nas jornadas de trabalho não quebrou e não quebrará o Brasil, como alguns têm dito. Essa mudança exigirá adaptações de todos nós, mas há de ser um avanço para a população trabalhadora e pode ser um respiro no sentido de uma reorganização dos tempos em favor do lazer, da saúde, da possibilidade de desenvolvimento de outras atividades e relações para além do trabalho, o que há de fazer bem para todos nós.
Diz-se que, para cada problema complexo, há sempre uma solução simples, rápida, barata e que não funciona. Diante da complexidade de vencermos a desigualdade social e as inúmeras consequências que ela nos traz, talvez estejamos no caminho certo, justamente porque ele não tem sido nem fácil, nem simples, nem barato e nem rápido. Quiçá o ano de 2026 mais próximo e o tempo histórico mais distante nos mostrem que estamos caminhando bem.
Monica Abrantes Galindo
É vice-diretora da UNESP de Rio Preto, professora, participante dos coletivos
Mulheres na Politica e CDINN -Coletivo