Operação Contenção: O Direito Penal do Inimigo
Aquele que é considerado um perigo latente e não simplesmente um delinquente perde sua qualidade de pessoa e pode de certo modo ser visto como um "animal perigoso"

A “Operação Contenção” no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 117 pessoas de alguma forma ligadas ao Comando Vermelho, relembra a doutrina do “Direito Penal do Inimigo”, que tem por base a adoção de políticas mais rigoristas , e ganhou suporte da população que passara a testemunhar e presenciar os efeitos devastadores gerados por novas formas de criminalidade e, por consequência, uma aguda e incontrolável sensação subjetiva de insegurança.
Essa doutrina foi formulada pelo penalista alemão Günther Jakobs há quarenta anos, e ganhou maior visibilidade especialmente após os atentados terroristas ocorridos no Ocidente, sobretudo aquele de 11 de setembro de 2001 com 2.753 mortes. Todo aquele que é considerado um perigo latente e não simplesmente um delinquente perde sua qualidade de pessoa e pode de certo modo ser visto como um "animal perigoso". E propõe que qualquer pessoa que não respeite as leis e a ordem legal de um Estado - ou que pretenda mesmo destrui-los - deve perder todos os direitos como cidadão. Um terrorista que queira subverter as normas da sociedade, um criminoso que ignore as leis e um membro da máfia que só respeite as regras do seu clã devem ser designados como "inimigos do Estado" e não mais merecem ser tratados como cidadãos.
Haveria assim, em contraposição ao Direito Penal do Cidadão (aplicável para infratores comuns), o Direito Penal do Inimigo aplicável para criminosos considerados ameaças graves ao Estado e incapazes de reintegração; por isso, o objetivo não é a ressocialização do indivíduo, mas sim a sua neutralização, à consideração de ser uma ameaça permanente à sociedade, mesmo que não represente perigo no momento. Seria aplicável, exemplificadamente, àqueles que cometem crimes bárbaros, terroristas, narcotraficantes em alta escala, criminosos sexuais, mafiosos.
O combate da criminalidade, acentuada nos últimos anos pelas organizações criminosas transnacionais, pelos crimes hediondos ou equiparados, pelas novas espécies de terrorismo, não era tema ou preocupação do direito penal clássico. A evolução do Direito Penal, na sua primeira velocidade, é pautada no modelo liberal-clássico. São mantidos os princípios político-criminais iluministas, ou seja, todas as garantias penais e processuais penais sob a ótica garantista negativa (legalidade estrita, taxatividade, ofensividade, contraditório, devido processo legal, ampla defesa, etc.). A segunda velocidade contempla a flexibilização proporcional de algumas garantias penais e processuais, pautada sobretudo pela justiça negociada, com adoção de um modelo de processo abreviado (transação penal, suspensão condicional do processo, colaboração premiada, direito de intervenção, não persecução, etc.). Já a terceira velocidade representaria um Direito Penal com uma ampla relativização de garantias político-criminais, regras de imputação e critérios processuais, que constituem o modelo de ‘Direito Penal do Inimigo”.
Várias autoridades do Rio de Janeiro afirmaram que no território dominado por criminosos, a “Operação Contenção” se tratou de uma verdadeira guerra. Deveras, para Jakobs, além de não poderem ser tratados como cidadãos, devem ser combatidos como inimigos, numa guerra em que tem lugar um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito à segurança.
A doutrina é criticada por muitos juristas por ser incompatível com o estágio atual do Estado Democrático de Direito, com a dignidade da pessoa humana e com os princípios da Constituição Federal. E que “Direito penal do cidadão” é um pleonasmo, enquanto “Direito penal do inimigo” seria uma contradição, porque não se reprovaria a culpabilidade do agente, mas sim, a sua periculosidade.
Fernando Fukassawa
Advogado, professor de direito e promotor de Justiça aposentado