O tango argentino
A eleição de domingo trouxe um novo fôlego para o mandatário argentino

Em um roteiro digno das canções de Carlos Gardel, a eleição legislativa do último domingo na Argentina foi marcada por uma impressionante reviravolta. A então favorita Fuerza Patria, formada pela coalisão de 18 partidos, capitaneada pelo peronismo e o kirchnerismo, obteve um retumbante fracasso, amargando uma derrota para o partido do presidente Javier Milei.
Em uma eleição extremamente polarizada, La Libertad Avanza obteve 40,70% (um pouco mais de 9 milhões e 300 mil votos) contra 31,67% (um pouco mais de 7 milhões e 200 mil) da Fuerza Patria.
O contundente triunfo de Milei na eleição encerrou uma grave crise política, marcada por acusações de corrupção no alto escalão do governo argentino, que desestabilizavam sua base aliada – principalmente no caso de Karina Milei, acusada de receber propina de medicamentos no tratamento de pessoas com deficiência.
Além disso, a necessidade de conseguir um novo empréstimo, não mais com o FMI, mas agora com os Estados Unidos, fez com que o presidente Donald Trump apontasse para um possível colapso do atual mandatário portenho, quando afirmou que a “Argentina estava morrendo”.
Com os resultados da eleição, a debilidade do atual governo – especialmente nos setores político e econômico – pode ser revertida, pelo menos parcialmente, com uma oportunidade inédita que Milei terá: será a primeira vez que poderá contar com um substancioso número de legisladores, tanto do Senado, como na Câmara dos Deputados, ao seu lado.
O resultado do último domingo mostrou que a sociedade argentina preferiu renovar uma aposta no oficialismo, para além dos custos e dos padecimentos sociais, a reviver um passado ao qual não está disposta a retornar. Além disso, essa vitória se deveu ao esgotamento e à divisão do próprio peronismo, que há muito tempo caiu solidificado, em categorias ideológicas em suas diversas vertentes. O agonizante desfecho político de Cristina Kirchner – banida da vida política –, assim como a estapafúrdia e pífia liderança de Axel Kicillof, contribuíram para a vertiginosa queda da centro-esquerda.
Nesse cenário, as apostas para as eleições de 2027 começam a ficar mais evidentes para La Libertad Avanza, com uma possibilidade mais do que real de Milei tentar uma reeleição – dessa vez, com uma base ainda mais sólida e tradicional, contando com o apoio e participação da família do ex-presidente Carlos Menem – e mais complicadas para o peronismo. Claramente Kicillof necessitava da vitória na eleição de domingo, para cacifar o seu nome como único candidato da frente peronista. Com a derrota, essa estratégia foi implodida, abrindo a possibilidade para que outros nomes concorram contra ele.
Para além de 2027 – ainda um pouco distante –, a vitória do partido de Milei impulsionou uma verdadeira euforia no mercado financeiro, obtendo uma expressiva valorização do peso argentino frente ao dólar, bem como a diminuição do risco-país, que caiu de mil pontos para 652. Ainda na esteira da eleição, o presidente argentino anunciou três grandes prioridades: a reforma trabalhista, com uma flexibilização radical no mercado de trabalho; uma redução de carga tributária ou no chamado custo argentino; e mais uma reforma no sistema previdenciário.
A eleição de domingo trouxe um novo fôlego para o mandatário argentino, que há menos de dois meses, havia sido derrotado nas eleições na província de Buenos Aires. Como em um dramático tango, a maioria dos argentinos mostrou que não está disposta a regressar a um temido passado e, com isso, provocou uma grande reviravolta política que surpreendeu a todos – inclusive a própria La Libertad Avanza.
Andrew Okamura Lima
Historiador e filósofo