Diário da Região
Olhar 360

O recado de Catarina

É preciso estarmos continuamente atentos para que aquilo que consideramos avanços em termos sociais não sejam retirados

por Monica Abrantes Galindo
Publicado há 4 horas
Monica Abrantes Galindo (Divulgação)
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Monica Abrantes Galindo (Divulgação)
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A UNESP, uma das três universidades públicas do estado de São Paulo, tem um núcleo negro para pesquisa e extensão, chamado NUPE. Criado por estudantes, professores e técnicos administrativos negros ou estudiosos das questões étnico-raciais, o núcleo, que completa 25 anos, dedica-se a promover atividades que valorizem e nos ajudem a compreender as temáticas étnico-raciais dentro e fora da universidade. Se, como nação, somos formados a partir de europeus, africanos e indígenas, precisamos conhecer e valorizar todas as nossas matrizes. Suas universidades “irmãs”, USP e UNICAMP, têm núcleos análogos que, em formatos institucionais diferentes, se debruçam sobre essa temática. Também as três universidades têm sistemas de cotas ou reserva de vagas, que, também com algumas diferenças institucionais ou administrativas, têm como objetivo básico ampliar o acesso de grupos da sociedade que historicamente têm sido excluídos da possibilidade de cursar um ensino superior, público, gratuito e de qualidade.

O sistema de cotas e reserva de vagas não é uma novidade no Brasil. De 1968 a 1985, os filhos de fazendeiros tinham garantidas vagas nos estabelecimentos de ensino médio e nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária. A chamada “Lei do Boi” foi um sistema de cotas para filhos de fazendeiros, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento agropecuário.

Consultorias internacionais, como a McKinsey, mostram com frequência dados que revelam uma relação entre empresas com equipes com maior diversidade - étnico-racial, gênero etc. - e maior lucratividade. Estar na universidade é uma possibilidade importante e um ganho para os alunos e suas famílias, mas também é uma vantagem para a sociedade, para o país e para a própria universidade. Considerando a missão da universidade de formação de pessoas, é importante termos toda nossa população representada no espaço universitário. Considerando a missão de geração de conhecimento científico, grupos diversos também permitem que problemas diversos sejam melhor equacionados e resolvidos. As cotas e reservas de vagas são boas para quem as recebe e também para quem as promove.

Na semana do Dia dos Direitos Humanos fomos surpreendidos com a resolução da Assembleia Legislativa de Santa Catarina votando pelo cancelamento das cotas raciais nas instituições educativas que recebem recursos do estado. A Educação é um direito. E os fatos e os dados nos mostram que esse direito tem sido historicamente negado para alguns grupos. As cotas, que buscam corrigir isso, como qualquer política pública, precisam ser periodicamente revisadas e aperfeiçoadas, entretanto no Brasil e no mundo temos dados a respeito de seu sucesso. É preciso estarmos continuamente atentos para que aquilo que consideramos avanços em termos sociais não sejam retirados. Cota não é esmola e nem favor. O recado de Santa Catarina é que direitos adquiridos são sempre resultado de luta e nunca estão tranquilamente garantidos.

Monica Abrantes Galindo

É vice-diretora da UNESP de Rio Preto, professora, participante dos coletivos
Mulheres na Politica e CDINN -Coletivo