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O iluminismo sombrio

A perseguição a universidades, intelectuais, jornalistas e artistas se tornou mais constante, mostrando que o Iluminismo Sombrio vem conquistando adeptos entre os incautos 

por Andrew Okamura Lima
Publicado há 22 horasAtualizado há 10 horas
Andrew Okamura Lima (Andrew Okamura Lima)
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No início dos anos 2000, Curtis Yarvin e Nick Land ganharam popularidade na internet ao fundar uma corrente filosófica chamada Iluminismo Sombrio (Dark Enlightnment). Em clara referência à oposição aos valores do iluminismo clássico – que defendeu ideias como a razão, a liberdade, a igualdade e a democracia –, o Iluminismo Sombrio tem como pilares centrais a contestação do cientificismo e da liberdade. Para seus fundadores, esses valores criaram sociedades fragilizadas, niveladas por baixo que caminhariam para o colapso.

Para Yarvin, o “inimigo” principal a ser combatido seria um sistema que ele denominou de “Catedral”, uma espécie de “igreja secular” composta por três pilares básicos: 1. as universidades e intelectuais – criadores das ideias dominantes; 2. a grande imprensa – cuja principal função seria “espalhar” essas ideias; 3. e por fim, a classe artística – que popularizaria tais ideias. Essa catedral ditaria os dogmas morais, marginalizando os hereges – aqueles que não concordariam com os valores do iluminismo clássico – transformando os jornalistas, acadêmicos e artistas em sacerdotes do mundo contemporâneo.

Para combater esses “nefastos dogmas”, Yarvin propõe que a democracia deveria ser exterminada; as universidades fechadas; e a grande imprensa, abolida. No lugar da democracia, os Estados Unidos deveriam ser comandados por um CEO, como se fosse uma empresa. Com um pensamento que se afasta do liberalismo clássico, as ideias de Yarvin se tornaram abertamente autoritárias, defendendo que a sociedade norte-americana deveria ser “reinicializada”, adotando uma espécie de feudalismo corporativo. Para ele, o ideal de igualdade representaria uma força que corrompeu e enfraqueceu a civilização, desse modo, ela também deveria ser exterminada.

Por anos essa teoria permaneceu restrita a alguns blogs obscuros da internet. Contudo, passou a ganhar representatividade quando alguns bilionários do Vale do Silício começaram a prestigiar tais ideias. Mesmo sem contar com o apoio popular, esses indivíduos conseguiram alterar o padrão de comportamento e pensamento da nova direita populista norte-americana.

Obviamente, o Iluminismo Sombrio não controla essa direita, mas seus valores foram introjetados nessa corrente política, que passaram a desenvolver o fascínio pela figura de líderes fortes e empresariais, responsáveis por combater indivíduos – principalmente, os servidores de carreira – que estariam “infectados” pelos ideais do Iluminismo clássico. Dentro dessa lógica, figuras importantes da atual gestão de Donald Trump estariam alinhadas com essa visão intelectual, como Steve Bannon, J. D. Vance, Marc Andreessen, Michael Anton, entre outros.

O Iluminismo Sombrio surge na esteira do crescimento das teorias totalitárias, propagadas por indivíduos que visam descaracterizar e desconstruir o próprio sistema democrático, promovendo ideias que minam os valores sobre os quais a civilização ocidental foi erigida, como os princípios da igualdade, liberdade e fraternidade. Em um ambiente cada vez mais hostil ao processo reflexivo, tal corrente ganha força através de governos que estimulam esses ideais, promovendo o aumento da desinformação e, por consequência, da própria ignorância, hoje tão difundida nas redes sociais.

A perseguição a universidades, intelectuais, jornalistas e artistas se tornou cada vez mais constante, mostrando que, longe de ser apenas uma corrente filosófica, o Iluminismo Sombrio vem conquistando adeptos entre os incautos e indivíduos – que, como diria Chico Buarque, “de olhos sombrios” – a fim de promover uma visão de mundo, ligado mais a conceitos escravizantes do que libertários. O fortalecimento dessa teoria mostra que lentamente caminhamos para um mundo cada vez mais sombrio, no qual a informação foi substituída pela desinformação e a ciência foi trocada por “achismos” e convicções estapafúrdias.

Andrew Okamura Lima

Historiador e filósofo