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O coração da cidade

É preciso também planejar o centro depois do expediente. A economia noturna — com teatros, livrarias, restaurantes, bares e espaços de encontro — mantém o fluxo de pessoas e dá segurança natural

por Beto Braga
Publicado em 09/09/2025 às 22:08Atualizado em 10/09/2025 às 11:27
Beto Braga (Beto Braga)
Beto Braga (Beto Braga)
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Dizem que o Centro perdeu a alma porque virou “território de insegurança” ou “moradia de rua”. Bobagem. O centro de Rio Preto foi vítima de um outro crime: a indiferença do poder público. Em vez de pulsar como coração da cidade, foi tratado como vitrine empoeirada, onde se troca o piso e se pinta a fachada, mas se deixa apodrecer o que realmente importa: a vida que dá sentido às ruas.

Revitalizar o Centro não significa apenas pintar fachadas ou trocar o calçamento. É preciso dar gestão, propósito e identidade. Cabe à Prefeitura assumir o protagonismo, coordenando comerciantes, moradores e investidores em torno de metas claras: reabrir lojas, requalificar prédios e devolver o prazer de circular pela região.

Esse movimento só será consistente se o poder público tiver coragem de ocupar e incentivar novos usos para grandes imóveis ociosos. Basta observar as antigas agências bancárias, esvaziadas pelo avanço dos serviços digitais: localizações privilegiadas que poderiam se transformar em bibliotecas, centros culturais, coworkings, laboratórios de inovação ou até equipamentos de saúde e educação.

Cada metro quadrado reaproveitado representa vida nova para o coração da cidade. Mas não adianta reocupar imóveis se eles se tornam exclusivos. O centro só será vivo se abrir espaço para cafés, brechós, bancas, bares e restaurantes que funcionem também além do

horário comercial. É a vida cotidiana — e não apenas o expediente de segunda a sexta — que sustenta a permanência das pessoas. Para isso, a Prefeitura deve facilitar retrofits e reformas, revisando regras que hoje travam ou desestimulam os proprietários. Incentivos fiscais, linhas de crédito acessíveis e marcos regulatórios mais racionais podem acelerar a transformação e multiplicar o número de moradores e empreendedores no centro.

Outro aspecto decisivo é a paisagem urbana. Um centro arborizado, com praças de bolso, mobiliário convidativo e pequenos parques, faz com que as pessoas queiram permanecer, consumir e conviver. Se somarmos a isso uma programação cultural permanente, temos o ingrediente que dá alma ao espaço: feirinhas, música de rua, exposições, atividades esportivas.

A cultura tem a força de criar memória afetiva, de transformar uma visita esporádica em hábito. Revitalizar o centro sem cultura é condená-lo a ser apenas um cenário bonito, mas vazio.

É preciso também planejar o centro depois do expediente. A economia noturna — com teatros, livrarias, restaurantes, bares e espaços de encontro — mantém o fluxo de pessoas e dá segurança natural. Para isso, o transporte precisa funcionar, a segurança comunitária deve ser reforçada e as regras têm que ser claras. O coração da cidade não pode parar de bater às seis da tarde.

Essas transformações não podem ser privilégio de poucos. Parcerias público-privadas são bemvindas, desde que contem com participação da comunidade, associações e movimentos sociais. O centro não é de um grupo, é de todos.

Com incentivo ao uso de imóveis ociosos e programação cultural contínua, o centro pode voltar a ser o coração ativo da cidade. Portanto, Rio Preto tem diante de si uma oportunidade única.

Revitalizar seu centro é muito mais do que mexer em fachadas ou calçamentos: é reconstruir a alma da cidade e projetar o futuro com equilíbrio entre desenvolvimento econômico e inclusão social. O caminho passa por políticas públicas consistentes, que tratem a cultura como eixo de permanência, os espaços ociosos como oportunidades e a população como protagonista.

Sonhar com um centro bonito, cheio de visitantes e negócios brilhando, é fácil. O verdadeiro desafio é sonhar, e realizar, um centro justo, humano e vivo, capaz de acolher, inspirar e mover toda a cidade.

Beto Braga

É empresário