Meu pé esquerdo
A obra narra a história real de Christy Brown, um homem nascido em uma família humilde e numerosa na Irlanda, portador de uma paralisia cerebral severa

No final do ano, é quase um ritual: buscamos indicações de bons filmes e séries para aproveitar os dias de descanso. No entanto, os acontecimentos recentes deste mês de dezembro me fizeram revisitar algumas produções que marcaram época e que, curiosamente, dialogam muito bem com a realidade atual.
Não, não pretendo “passar por cima” do jornalista Marco Antonio, que assina uma coluna específica sobre streaming e
cinema neste mesmo jornal. Trata-se apenas de uma reflexão pessoal, motivada por coincidências da vida — ou da arte.
A primeira indicação é o filme Meu Pé Esquerdo (1989), indicado a cinco Oscars. Daniel Day-Lewis venceu como Melhor Ator por sua interpretação magistral de Christy Brown, enquanto Brenda Fricker levou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante.
A obra narra a história real de Christy Brown, um homem nascido em uma família humilde e numerosa na Irlanda, portador de uma paralisia cerebral severa. A condição lhe retirou quase todos os movimentos do corpo, restando apenas o controle do pé esquerdo. Com o apoio incondicional de sua mãe, Christy desafia limitações físicas, sociais e preconceitos para se
tornar um renomado pintor e escritor.
No centro de reabilitação em que trabalho, vivenciei uma história semelhante. A diferença é que o jovem paciente, após um trabalho exaustivo da Terapia Ocupacional, passou a utilizar
o celular por meio de movimentos do pé esquerdo — mais precisamente, do dedão.
O aparelho ficava acoplado à cadeira de rodas e, a partir dali, ele ganhou o mundo: estudava, se comunicava e mantinha muitos amigos nas redes sociais. Fica então a pergunta inevitável: a arte imita a vida ou é a vida que imita a arte?
Imaginem, nos dias de hoje, se esse filme não geraria polêmica. Pé esquerdo? Em tempos de extremismos, há até quem acredite que tudo feito de borracha é heresia, rezando para pneus e condenando sandálias. Talvez Christy Brown fosse “cancelado” antes mesmo dos créditos finais.
Outro episódio recente me remeteu a uma série de televisão produzida em 1960, na saudosa TV Tupi, hoje um verdadeiro ícone da cultura pop brasileira: O Vigilante Rodoviário.
Carlos Miranda interpretava um policial rodoviário acompanhado de seu inseparável mascote, o pastor-alemão Lobo. Miranda entrou para o Guinness Book por ser o único ator no mundo a se tornar, na vida real, o personagem que interpretou na ficção.
Mais uma vez, a pergunta retorna: a arte imita a vida ou o contrário? A fuga cinematográfica do então chefe da Polícia Rodoviária Federal, acompanhado de seu “cãopanheiro” pitbull,
imediatamente me fez lembrar do antigo programa de televisão. Será que, quando criança, ele não admirava o saudoso Carlos Miranda?
A diferença é que, ao contrário do herói da ficção, ele jogou no lixo 30 de carreira ao misturar sua profissão com ideologia política. Pegou mal, rapaz. E, afinal… onde está o cachorro?
Regina Chueire
Médica, professora da Famerp e diretora do Lucy Montoro/Funfarme