Islamismo (parte 2)
Um terço da população estadunidense afirmou, em pesquisa, que a população muçulmana não deveria ter o 'direito' de concorrer ao cargo de presidente

No artigo passado citamos, mesmo que de modo breve, o processo da unificação política na região do Oriente Médio, através da religião islâmica; relembramos a expansão muçulmana na Europa, assim como a influência do mundo islâmico sobre o Ocidente, durante os séculos XX e XXI, sobretudo após os atentados do 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Por fim, encerramos o artigo, abordando o termo “orientalismo” desenvolvido pelo estudioso Edward Said, e a eleição do jovem político Zohran Mamdani para a Prefeitura de Nova Iorque.
Contudo, qual o objetivo dessa análise? Após os ataques perpetrados pela Al-Qaeda, em 2001, a perseguição contra os muçulmanos aumentou em um nível alarmante. O que já era grave piorou muito. No início de setembro deste ano, o Pew Research Center realizou uma pesquisa, na qual um terço da população estadunidense afirmou que a população muçulmana não deveria ter o “direito” de concorrer ao cargo de presidente.
Esse fato não se limita à realidade norte-americana, mas se estende ao Ocidente como um todo. A extremista direita, em ascensão nos Estados Unidos e na Europa, apropriou-se dessa bandeira anti-islâmica, fabricando uma série de narrativas sobre uma suposta “invasão muçulmana” no Ocidente.
Um dos pilares dessa distorção, seria a lei islâmica. A sharia, como é conhecida, significa “caminho” e se refere aos princípios éticos e religiosos, como por exemplo, rezar cinco vezes ao dia, jejuar no mês do Ramadã, entre outras.
Esse fenômeno pôde ser observado com clareza na França, quando a então candidata à Presidência Marine Le Pen foi acusada de disseminar discurso de ódio ao comparar muçulmanos rezando na rua com a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, a situação é ainda pior. O Center for American Progress afirmou que a islamofobia já está em pleno desenvolvimento há pelo menos 15 anos. Segundo a Associated Press, apenas 42% da população estadunidense tem uma opinião favorável ao islamismo.
Mesmo com os números desfavoráveis, Zohran Mamdani foi eleito, no início desse mês, para o cargo de prefeito de Nova Iorque. Sua vitória representou uma das mais marcantes viradas da política moderna dos Estados Unidos. Aos 34 anos, ele será o prefeito mais jovem de Nova Iorque desde o século XIX, além de ser o primeiro muçulmano e o primeiro descendente de indianos a ocupar o cargo.
Mamdani integrou uma vertente de candidatos ligados aos Democratic Socialists of America, tendo como base ideológica a defesa de políticas progressistas e mais próximas da população. Defendeu pautas como o congelamento do aluguel para os apartamentos regulamentados, ampliação do transporte público gratuito, abertura de mercados municipais de alimentos em áreas carentes e grandes investimentos em programas de moradia popular.
Com uma plataforma eleitoral de amplo apoio popular, acabou derrotando o ex-governador Andrew Cuomo nas primárias do Partido Democrata e, posteriormente, o republicano Curtis Sliwa, em uma eleição que registrou a maior participação popular nas urnas desde 1969.
Sua eleição foi marcada pela ideia de uma “nova política”, mais próxima da população carente e focada nas demandas reais do cidadão novaiorquino. Trata-se de um discurso menos belicoso, porém mais enérgico contra a pobreza e a fome. Opositor feroz de Donald Trump, Mamdani terá grandes desafios à frente da prefeitura, como a crise de moradia, a desigualdade social, a segurança pública e a sustentabilidade fiscal. Se seu governo será exitoso, ainda não sabemos. Contudo é certo que, no berço do pensamento neoliberal, a eleição de um muçulmano socialista é uma mensagem clara para o establishment político: o descontentamento com as gestões atuais, no que se refere às desigualdades econômicas e sociais.
Andrew Okamura Lima
Historiador e filósofo