Clio e Clóvis
Clóvis Steiger de Assis Moura, foi historiador, sociólogo, poeta e jornalista; Clio na mitologia grega é uma das nove musas, filhas de Zeus e Mnemósine

O ano de 1905 é chamado na Física do “ano miraculoso” de Einstein, quando ele publicou diversos artigos que revolucionaram as Ciências da Natureza. Também 1925 pode ser chamado de um “ano miraculoso”, tendo como marca de sua grandiosidade os nascimentos que aconteceram nele. Na Martinica, em julho, nasceu Frantz Fanon. No Brasil, em junho nasceu Clóvis Moura. Ambos fundamentais para as Ciências Humanas.
Clóvis Steiger de Assis Moura, foi historiador, sociólogo, poeta e jornalista. Publicou artigos em periódicos e mais de vinte e cinco livros. Pesquisou e escreveu sobre a formação social brasileira, as rebeliões dos escravizados, a inserção (ou não inserção) social da população negra no pós-abolição, assim como, a luta de classes no sistema escravista.
Em um de seus livros, “As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira”, publicado a primeira vez em 1990 e com uma recente reedição em 2025, Moura analisa a historiografia tradicional brasileira mostrando como ela frequentemente marginalizou ou ignorou as contribuições e as lutas da população afrodescendente e também das classes populares.
Clio na mitologia grega é uma das nove musas, filhas de Zeus e Mnemósine. Ela é a musa da história e da criatividade, que divulga e celebra as realizações. Clio significa “Proclamadora” ou “Aquela que traz fama”.
Já na organização, introdução e capas do livro de Moura, Marcello Assunção, Petrônio Domingues, Flávio Gomes e Ana Paula Procópio nos ajudam a entender que ao mostrar a ausência ou o viés negativo e de apagamento da presença afrodescendente no pensamento historiográfico brasileiro, Moura apresenta uma análise sobre o papel ideológico da História na legitimação de estruturas de poder, desigualdades sociais e raciais.
No livro, Moura dedica cada capítulo a um historiador e destaca sua “contribuição” na construção das injustiças da História, que vão desde uma visão injusta sobre um lugar de penumbra da população negra na sociedade até a generalização e o reforço de adjetivos negativos relacionados a ela. Os mensageiros de Clio, listados por Moura, mantiveram seu olhar preso a lunetas européias e a uma visão aristocrática da História para a qual o afrodescendente não tinha passaporte.
As injustiças de Clio, obviamente, afetam diretamente a população afrodescendente, mas prejudicam a todos, porque ser injusta com a população afrodescendente é ser injusta com toda a população brasileira que é fruto direto da presença africana, indígena e européia. Diante das injustiças de Clio, para Moura precisamos limpar nossos olhos impregnados da ideologia colonialista para conseguirmos enxergar a realidade do afrodescendente como sujeito social ativo desde sempre, contribuinte e participante da dinâmica da sociedade.
Clio continua injusta e desmascará-la, como fez Clóvis, é ação que permite restaurar a verdade histórica sobre a população afrodescendente, que há de restaurar também a história de todos nós brasileiros e de toda a nossa constituição como nação.
Monica Abrantes Galindo
É vice-diretora da UNESP de Rio Preto, professora, participante dos coletivos Mulheres na Politica e CDINN -Coletivo de Intelectuais Negras e Negros