Diário da Região
Olhar 360

Clientelismo em vez de transformação

por Marco Feitosa
Publicado há 6 horas
Marco Feitosa (Marco Feitosa)
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Hoje, dia 20 de novembro, celebramos o Dia da Consciência Negra. Nesse dia, ainda temos pouco a celebrar em termos de avanços significativos e verdadeiros para a vida de mais da metade da população brasileira.

Políticas públicas voltadas à equidade racial são essenciais para corrigir séculos de exclusão e violência estrutural contra a população negra no Brasil. No entanto, quando desprovidas de investimentos concretos em educação de qualidade, acesso ao mercado de trabalho, geração de renda e autonomia financeira, essas políticas tornam meros gestos simbólicos, ou pior, instrumentos de clientelismo político que mantêm enorme parcela da população em condições de dependência, sem promover emancipação real.

A experiência histórica tem demonstrado avanços ainda tímidos, onde a criação de programas assistenciais voltados à população negra, sem garantir acesso a oportunidades estruturantes, não rompe o ciclo de pobreza e marginalização. Ao contrário, muitas vezes reproduz relações de subalternidade, em que o Estado aparece como "benfeitor" em vez de reparador de direitos negados. Essa lógica transforma cidadãos em beneficiários passivos, desprovidos de poder de decisão sobre suas vidas e comunidades.

Um exemplo claro está na ausência de políticas educacionais eficazes que enfrentem o abandono escolar, a evasão e a baixa qualificação profissional entre jovens negros, especialmente nas periferias. Embora existam cotas raciais em universidades, elas não surtem pleno efeito, pois não são acompanhadas por um sistema educacional básico equitativo, com infraestrutura, formação docente e apoio socioeconômico. Sem isso, a cota por si só não garante permanência, formação plena ou inserção qualificada no mercado de trabalho.

Do mesmo modo, a ausência de políticas de fomento ao empreendedorismo, acesso a crédito, propriedade de terras e tecnologias produtivas impede que a população negra construa riqueza e patrimônio, elementos centrais para a superação das desigualdades raciais.

Enquanto o racismo impede o acúmulo intergeracional de bens entre negros, o Estado, ao limitar-se a programas de transferência de renda sem vinculação a projetos de autonomia, acaba naturalizando a pobreza como condição permanente dessa população.

Essa abordagem tem sido historicamente manipulada por governos de diferentes matizes ideológicos. A lógica do clientelismo racial consiste em oferecer migalhas assistenciais em troca de apoio político, sem compromisso com a transformação estrutural de verdade. Assim, a população negra muitas vezes é usada como massa de manobra em discursos eleitoreiros, mas raramente é incluída nos espaços de decisão ou dotada de meios reais para mudar sua realidade (vide por exemplo indicações para postos de protagonismo).

A verdadeira equidade racial exige empoderamento, não apenas assistência. Significa garantir que negros e negras tenham controle sobre recursos, educação crítica, representação política e acesso a capital. Significa investir em escolas antirracistas, em universidades acessíveis, em políticas habitacionais que não segreguem, em financiamento para negócios liderados por negros e em combate efetivo à discriminação no mercado de trabalho.

Sem isso, qualquer política de equidade será vazia, um verniz de inclusão sobre uma estrutura ainda profundamente racista. É preciso ir além do discurso e do assistencialismo: é hora de transferir poder, não apenas recursos. Só assim a equidade racial deixará de ser uma promessa retórica para se tornar uma realidade justa e duradoura.

Marco Feitosa

Advogado e coordenador do Estado de São Paulo do Movimento Livres