Diário da Região
Olhar 360

Ciência brasileira liberta o TDAH do preconceito

A contribuição do doutor Rohde foi derrubar uma das barreiras mais cruéis da psiquiatria: o preconceito disfarçado de ceticismo

por Jurandyr Bueno
Publicado há 5 horasAtualizado há 2 horas
Jurandyr Bueno (Jurandyr Bueno)
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Há vitórias que valem por medalhas olímpicas, mas que não sobem ao pódio em horário nobre ao som do hino nacional. Elas são forjadas no silêncio dos laboratórios, na resiliência de orçamentos apertados e na persistência de quem dedica a vida a aliviar a dor do outro.

A conquista do “Prêmio Ruane” pelo psiquiatra brasileiro doutor Luis Augusto Rohde é, acima de tudo, o triunfo dessa dedicação.

Ao tornar-se o primeiro latino-americano em 25 anos a receber a honraria máxima da Brain & Behavior Research Foundation – o verdadeiro "Oscar da Saúde Mental" –, o pesquisador da UFRGS envia um recado contundente ao mundo: a ciência brasileira, mesmo ferida por limitações financeiras, respira e é capaz de liderar a vanguarda global.

Mas por que essa premiação deve nos emocionar? Porque a contribuição do doutor Rohde foi derrubar uma das barreiras mais cruéis da psiquiatria: o preconceito disfarçado de ceticismo.

Durante décadas, muitas famílias ouviram que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) era uma "invenção cultural", fruto de pais permissivos ou de uma sociedade sem limites. A ciência de Rohde veio para absolver essas famílias. Liderando uma análise monumental com mais de 100 mil pacientes, ele provou matematicamente que o TDAH não escolhe passaporte.

Sua conclusão foi cirúrgica e libertadora: as diferenças nos números entre países eram falhas de método, não de cultura. O TDAH é real, é biológico e pulsa da mesma forma na biologia de uma criança em Porto Alegre ou em Nova York. Essa padronização não é apenas um dado estatístico; é a legitimidade que faltava para transformar a culpa em tratamento e o julgamento em acolhimento.

O olhar humanitário do doutor Rohde também se voltou para quem sempre foi invisível: as meninas. Enquanto meninos hiperativos clamam por atenção, meninas com TDAH muitas vezes sofrem em um silêncio angustiante.

São as "distraídas", as que vivem "no mundo da lua". Quantas não cresceram acreditando serem menos capazes, quando apenas precisavam de ajuda? O trabalho do brasileiro ajudou o mundo a enxergar – e salvar – essas futuras mulheres.

Essa validação baseada em evidências é o antídoto vital em tempos de "Doutor TikTok", onde a desinformação viraliza mais rápido que a verdade. E ignorar a ciência de Rohde custa caro. Não falamos apenas de números, mas de vidas abreviadas.

O TDAH não tratado reduz a expectativa de vida em até 13 anos. Ele custa R$ 1,8 bilhão ao Brasil em talentos desperdiçados. Ele dobra o risco de um jovem abandonar a escola e se perder nas drogas.

O prêmio do doutor Rohde é um orgulho para a UFRGS e para o Brasil, mas não pode ser apenas um quadro na parede. Que este "Oscar" sirva para constranger positivamente o Estado. Que lembre aos nossos governantes que investir em pesquisadores como Luis Augusto Rohde não é gasto, é soberania nacional e defesa da vida.

Hoje, a ciência brasileira subiu ao pódio. Mas a verdadeira medalha de ouro virá no dia em que cada brasileiro com TDAH tiver o direito de viver sua potencialidade plena, amparado por um conhecimento que, agora o mundo aplaude, tem DNA brasileiro.

Jurandyr Bueno

É jornalista especializado em Relações Governamentais e projetos para o Terceiro Setor