Brasil e Portugal: drogas e moradores em situação de rua

No último dia 22 de outubro estivemos a convite do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna apresentando a palestra “As influências de Ferrajoli, Zaffaroni e Jacobs: um olhar pelas Ciências Policiais luso-brasileiras”, com o propósito de traçar um paralelo entre as correntes teórico-penais, desde as mais liberalizantes às de maior rigorismo, e seu reflexo nas políticas públicas dirigidas à paz social.
Começamos apresentando indicadores sociocriminais comparativos entre Brasil e Portugal, enquanto a plateia, composta por professores, juristas, sociólogos e chefes de polícia, deixava revelar em cada rosto um quê de espanto, ao verem as diferenças entre os dois países. Portugal tem uma população de 10.749.635, enquanto o Brasil 212.600.000; no Brasil a quantidade de pessoas em situação de rua está na casa dos 327.925, enquanto em Portugal ela é de 10.773; a população carcerária portuguesa é de 12.301, já a brasileira gravita em 909.067, sendo 214.447 condenados com sentença definitiva e os demais presos preventivamente, aguardando julgamento (em Portugal esse número é de 2.392); outro indicador que apresentamos foi o de presos por tráfico de drogas: em Portugal são 1.930, enquanto no Brasil são 205.741.
Pois bem, dizem em Portugal, que a Lei n. 30, de 2000, teria constituído a base de uma política inovadora geradora de resultados muito positivos, enfrentando a questão por cinco vetores: prevenção, dissuasão, redução de riscos e minimização de danos, tratamento e reinserção, tal como se afirma noutra lei lusitana, o Decreto-Lei n. 89, de outubro de 2023, que “Portugal é internacionalmente reconhecido na área da saúde pública em matéria de resposta às dependências e aos comportamentos aditivos”, a partir da aprovação, em 1999, da Estratégia Nacional de Luta contra a Droga e, subsequentemente, a decisão de descriminalizar o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de substâncias ilícitas.
No Brasil, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, no Recurso Extraordinário n. 635.659/SP, o STF decidiu em 2024 que “Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância ‘cannabis sativa’ [maconha], sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I [Lei de Drogas]) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III)”, cabendo à polícia apreender a substância e notificar o usuário a comparecer em juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Acontece que o CNJ, até hoje, não só deixou de regulamentar a matéria como, também, revogou a sua própria Portaria, de janeiro de 2025, que instituía um Grupo de Trabalho destinado à realização de estudos e à apresentação de propostas sobre o tema.
No calor que tomava o auditório da rua 1º de Maio da bela Lisboa, ao tempo em que deixava afetuoso abraço nos irmãos portugueses, também lhes provocava com hipóteses para pesquisa: (1) o uso de drogas não seria causa de algumas pessoas passarem a compor a massa de moradores em situação de rua? (2) na relação consumo-fornecimento de drogas, haveria sentido lógico em se descriminalizar o consumo mantendo-se a traficância como crime a lotar presídios?
Obrigado Portugal!
Azor Lopes da Silva Júnior
Advogado, professor de direito e coronel da Polícia Militar