Banco assaltando banco: crime do século XXI

Assaltar banco exigia muito empenho, e vocação para bangue-bangue. No século XIX houve Jesse James, Butch Cassidy, John Dillinger e a dupla Bonnie & Clyde, símbolos de uma era de máscara no rosto, pólvora e cartaz com foto em preto e branco colado em postes no dia seguinte.
Coragem de quem entrava pela porta da frente apontando armas e saía com sacos de dinheiro. Por aqui, em 2005 o bando precisou cavar um túnel de 80 metros até chegar no cofre do Banco Central em Fortaleza.
Ninguém roubava grana sentado numa poltrona macia em sala com ar-condicionado. Se aqueles lendários assaltantes estivessem vivos, o currículo deles seria mandado para o setor financeiro. Hoje é preciso apenas um blazer alinhado, abrir uma pessoa jurídica, imprimir documentos de aparência séria e negociar cifras inimagináveis ao abrigo de transferências eletrônicas, protocolos internos e uma linguagem burocrática capaz de transformar crime em operação financeira. Assaltante refinado tem poder econômico, mas por necessitar do poder político-social para atingir seus fins, conta com figurões que o tem. Não se disfarça de heroísmo, mas de gestão estratégica.
É o caso do episódio que envolveu o Banco Master e o oficial Banco de Brasília (BRB), uma versão corporativa e elegante da pilhagem. Investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal revelou que o Master de Daniel Vorcaro vendeu ao BRB R$ 12,2 bilhões em carteiras de crédito sem fundo, cuidadosamente fabricados e entregues ao Banco Central. Entre os exemplos mais emblemáticos, uma das empresas garantidoras estava em nome de uma atendente de padaria que ganha menos de R$ 1.500, a mostrar que no Brasil quem diz que não existe mobilidade social talvez esteja olhando para o lugar errado. Na superior criminalidade organizacional, a ascensão se dá com CNPJ fresco e contrato de milhões, bilhões.
O MPF foi direto no ponto: o arranjo foi entre cavalheiros; de um lado, o Master apresentando carteiras fictícias, e de outro, o BRB comprando como quem adquire um Picasso num leilão a preços módicos. Não foi erro, ingenuidade ou uma tentativa institucional de socorrer um banco em dificuldades. A operação tinha, segundo os procuradores, objetivo claro de encobrir fraudes já em curso e consolidar a transferência de recursos públicos lastreados em papéis fajutos. Uma fraude estruturada. Mesmo depois de o Banco Central rejeitar a compra definitiva, o BRB continuou transferindo recursos ao Master.
Um gesto que deixou pouco espaço para a narrativa de engano. Bingo! Quando alguém aciona a luz e a sala continua escura, não é por falta de interruptor. Fraude não acontece da noite para o dia, e o supervisor do sistema financeiro não enxergou nada, e junto com ele as agências de rating mantendo na penumbra as notas de crédito.
Antes, o assaltante queria escapar do banco, mas agora o assaltante pode ser o próprio banco. Nesse ambiente cinzento, Vorcaro era luminosamente cercado de nomes de peso da política, do opulento meio empresarial e da mais alta cúpula do Judiciário. Financiava dispendiosas incursões internacionais com eventos sobre democracia, e jantares requintados para relevantes autoridades, aí inclusos alguns ministros do STF, e com isso a polêmica contratação de escritório de advocacia ligado à família de um deles enquanto o banco afundava. Ostensiva “red flag” sinalizando, no mínimo, um risco de captura. Em 2023, desconfortavelmente, dizia a ex-ministra Eliana Calmon do STJ: “Existe uma divisão familiar. A mulher fica com o poder econômico nos escritórios de advocacia; e o marido, com o poder político dentro do Judiciário. Desta forma, eles ganham muito e têm o poder na mão. É realmente um acasalamento perfeito.” E dia desses, o secretário do tesouro americano Scott Bessent adicionou gasolina ao incêndio: "Não há Clyde sem Bonnie".
Assistimos a tudo sem sirene, sem tiroteio e sem manchete romântica. Resta a amarga constatação de que a sofisticação do século XXI transformou o crime numa linha de crédito de longo prazo. E aguardar a colheita e análise de impressões digitais dos avalistas.
Fernando Fukassawa
Advogado, professor de direito e promotor de Justiça aposentado