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A paz congelada

Durante as quase três horas de reunião, Trump e Putin partiram do nada e chegaram a lugar nenhum. Não houve um cessar-fogo, nem um acordo formal.

por Andrew Okamura Lima
Publicado em 20/08/2025 às 20:37Atualizado em 21/08/2025 às 02:03
Andrew Okamura Lima (Andrew Okamura Lima)
Andrew Okamura Lima (Andrew Okamura Lima)
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No último dia 15, o mundo observou com atenção o encontro ocorrido na Joint Base Elmendorf-Richardson, em Anchorage, no Alasca entre os chefes do Estado norte-americano e russo, com a premissa de estabelecer um fim ao conflito entre Rússia e Ucrânia. De um lado, o imprevisível e nada adepto da diplomacia internacional Donald Trump; do outro, o autocrata com grandes contornos cínicos Vladimir Putin.

O encontro ocorreu sob uma intensa demonstração da força militar, com a utilização de caças F-22, F-35 e bombardeiros B-2. Em meio a esse verdadeiro show midiático, os dois lados mantiveram uma cordialidade aparente. Os objetivos estavam bem definidos e iam além da negociação de um acordo de paz. Para Trump, apresentar-se como um interlocutor desse projeto contribuiria de forma decisiva para a sua sonhada indicação ao Nobel da Paz – uma verdadeira obsessão para o ego superestimado do mandatário norte-americano. Já Vladimir Putin se mostrou como sempre: uma figura que mais se assemelha a um dos antigos czares, um verdadeiro déspota em pleno século XXI, com uma capacidade ímpar para o cinismo e a manipulação dos fatos a seu favor. Isolado das discussões diplomáticas, desde que o Tribunal Penal Internacional expediu sua ordem de prisão, Putin raramente sai da Rússia. Por isso, o convite de Donald Trump foi a oportunidade perfeita para retomar o diálogo com as potências ocidentais.

Durante as quase três horas de reunião, Trump e Putin partiram do nada e chegaram a lugar nenhum. Não houve um cessar-fogo, nem um acordo formal, sequer um compromisso verbal. Nada! Putin, formado na velha escola da KGB e muito mais acostumado a esse tipo de encontro, usou todas as suas artimanhas diante de um Trump iludido e inexperiente em tratativas diplomáticas. O norte-americano insistia que um simples cessar-fogo não seria suficiente, defendendo a necessidade de um acordo de paz imediato. Já Putin, segundo interlocutores do seu próprio governo, adotou a estratégia de repetir toda a história do conflito com muita calma, sem pressa, apenas para cansar o mandatário estadunidense, que ao final do encontro exibia uma expressão de extremo cansaço.

Como resultado direto, Putin convidou Trump para realizar uma nova “rodada” de negociações, dessa vez em Moscou, o que Trump se esquivou de forma muito hábil, para os seus padrões. Para o mandatário estadunidense, restou negociar com a Ucrânia, em um novo encontro ocorrido na Casa Branca na última segunda-feira, 18, no qual recebeu o presidente Volodymir Zelensky. Com um tom muito mais cordial e diplomático, Trump viu o presidente ucraniano ser acompanhado, por precaução, de forma presencial e online pelas principais lideranças políticas do velho continente, entre elas, o presidente francês e o primeiro-ministro britânico. Nesse novo encontro, Trump comunicou a Zelensky que os preparativos para uma futura reunião entre Ucrânia e Rússia estão sendo providenciados, contudo, sem definição de uma data. Ainda nesse encontro, embora Trump tenha dado a promessa de apoio a Zelensky, em nenhum momento se comprometeu formalmente a uma ajuda mais substancial ou mesmo, a participação da OTAN no conflito. Para o pobre e corajoso Zelensky restou apenas o agradecimento pela tentativa de ajuda dado pelos norte-americanos.

No frio do Alasca, pouco se avançou em direção à paz, mas muito se alimentou o ego de ambos os líderes. Afinal, Putin e Trump não são tão diferentes assim. Contudo, o real motivo da reunião – a paz – permanece congelada em meio a esse verdadeiro teatro das sombras, conduzida por homens que entendem a governança de seus países como uma oportunidade para negócios pessoais. Como escreveu George R.R. Martin, “o inverno está chegando”. No caso da Ucrânia, o inverno começou em 2014, e pelo andar da carruagem, não tem data para acabar.

Andrew Okamura Lima

Historiador e filósofo