Diário da Região
Olhar 360

A democracia chilena

por Andrew Okamura Lima
Publicado há 5 horasAtualizado há 2 horas
Andrew Okamura Lima (Andrew Okamura Lima)
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No último dia 14, foi realizado o segundo turno das eleições chilenas, disputado por José Antonio Kast e Jeannette Jara. O resultado foi proclamado ainda na tarde do mesmo dia, com uma expressiva vantagem para o candidato do Partido Republicano, que acabou derrotando Jara, representante do Partido Comunista, com 58,16% dos votos contra 41,84% de sua opositora. Kast venceu em todas as regiões do país e tornou-se o presidente eleito com o maior número de votos da história do Chile.

O novo chefe do executivo chileno construiu uma sólida carreira política, tendo sido conselheiro municipal de Buin entre 1996 e 2000. Foi deputado entre 2002 e 2018 e secretário-geral da União Democrática Independente de 2012 a 2014. Em 2018, fundou o movimento de extrema-direita Ação Republicana, participando ativamente da criação do Partido Republicano em 2019. Concorreu à presidência em três ocasiões: em 2017, não se qualificou para o segundo turno; em 2021, foi derrotado no segundo turno pelo então candidato e atual presidente Gabriel Boric; e, agora, em 2025, venceu a disputa no segundo turno.

Sua adversária, Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do atual governo, venceu o primeiro turno com uma margem confortável, focando pautas como a industrialização. Contudo, seu “calcanhar de Aquiles” foi o tema da segurança pública, fator que contribuiu de forma decisiva para a sua derrota.

A vitória de Kast não chegou a ser uma surpresa para quase ninguém. Em sua terceira tentativa de ocupar o Palacio de La Moneda, ele moderou seu discurso, principalmente, em relação ao controverso governo do ditador Augusto Pinochet, de quem anteriormente se declarava admirador. Além disso, propôs a formação de um “governo de emergência”, tendo como principais pautas de campanha a segurança pública e a imigração – duas problemáticas recorrentes no discurso da direita contemporânea, especialmente em sua vertente mais radical.

Juntamente com o aumento da insegurança nos últimos anos, observou-se a entrada de grupos criminosos internacionais no país, o que resultou em um incremento dos níveis de violência e dos roubos no Chile. Esse cenário tornou-se uma das maiores preocupações da atual gestão, que não conseguiu conter a escalada desses índices. Com um discurso “linha dura” Kast prometeu tolerância zero contra o crime, o que lhe garantiu um amplo apoio popular.

Outro fator relevante para a vitória de Kast foi a união entre os diferentes setores da direita chilena. Figuras como Johannes Kaiser, um dos principais líderes da extrema direita, e de Evelyn Matthei, representante de uma direita mais moderada, alinhada ao legado do ex-presidente Sebastián Piñera, declararam apoio ao candidato republicano.

Contudo, apesar da eleição presidencial ter sido amplamente vencida pela direita, no âmbito legislativo, a situação do futuro presidente não será tranquila. Na Câmara dos Deputados, Kast contará com o apoio de 76 parlamentares, contra uma oposição composta por 64 deputados, além de 15 independentes. Já no Senado, a oposição terá 23 senadores, enquanto a base governista contará com 25, além de dois senadores independentes.

De qualquer forma, mesmo com as constantes alternâncias ideológicas no governo chileno, ao observarmos a lista de presidentes desde o início dos anos 2000 até os atuais dias, percebe-se uma salutar alternância de poder entre direita, centro e esquerda. Esse elemento é essencial para o fortalecimento e a manutenção da democracia.

Mais do que isso, nota-se, com certa admiração, a civilidade e a preocupação em manter os ritos democráticos. Assim que soube de sua derrota, Jeannette Jara prontamente reconheceu a sua derrota. O mesmo fez o atual presidente, que entrou em contato com o candidato vencedo.

Com a vitória de Kast, a América Latina se dividiu por completo no espectro político: seis países governados pela centro-esquerda ou esquerda – Uruguai, Brasil, Suriname, Guiana, Colômbia e Venezuela (embora, no caso específico de Nicolás Maduro, não se possa caracterizar o regime como democrático) – e outros seis países governados pela centro-direita ou direita – Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e, agora, o Chile.

A eleição chilena também demonstrou que a democracia pode e deve, ser respeitada em seus ritos e em sua civilidade, o que pode representar um passo inicial para a redução da polarização política extrema, que atende a interesses de indivíduos menores. Pois, como afirmou certa vez Winston Churchill “a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras formas que já foram tentadas na história”.

Andrew Okamura Lima

Historiador e filósofo