A América Latina e Trump
Estaria a América Latina preparada para ter suas veias abertas novamente para os interesses externos?

Na última terça-feira, 9, o presidente norte-americano, Donald Trump, voltou a criticar a Europa, não faltando “carinhosos elogios” para o Velho Continente, que para ele é “decadente”, além de “ser governado por certos líderes estúpidos”. Essa forte declaração aconteceu dias depois de próprio governo estadunidense ter emitido um documento com a sua nova estratégia militar e de política externa.
De acordo com esse documento, o foco militar norte-americano passa a ser a América Latina, reajustando “a presença militar a fim de enfrentar ameaças urgentes em nosso Hemisfério”. É óbvio que esse reajuste passa pela questão da pressão de Trump sobre o governo de Nicolás Maduro na Venezuela.
Em sua cruzada para reduzir a entrada de entorpecentes em solo norte-americano, já foram realizadas mais de 22 ataques a embarcações, que supostamente estariam levando drogas ilegais, com um total de mais de 80 pessoas mortas. Além disso, Trump designou o Cartel de los Soles como uma organização terrorista estrangeira, permitindo novas sanções contra Maduro.
Em um de seus últimos pronunciamentos sobre o assunto, Trump afirmou que seu governo está elaborando planos para uma intervenção militar por terra, o que seria, dentro do prisma do Direito Público Internacional, mais uma ilegalidade cometida pelo governo estadunidense. Contudo, alguns interlocutores trumpistas não acreditam nessa possibilidade.
Trump, como um bom “jogador”, pressiona Maduro através do campo militar, forçando o ditador a se movimentar e buscar algum apoio internacional em defesa de sua soberania. A participação brasileira nesse caso até que seria salutar, mas, após o fraudulento processo nas eleições venezuelanas, as relações entre Brasil e Venezuela estão congeladas, o que inviabiliza qualquer mediação de Lula com Trump. Por isso, Maduro recorreu à Organização da Nações Unidas, o que provocou um efeito prático quase nulo.
Porém, as recentes ameaças do presidente estadunidense provocaram incredulidade por parte de alguns setores políticos na terra do Tio Sam. Após uma entrevista na qual afirmou que os “dias de Maduro à frente do governo da Venezuela estariam contados”, os próprios senadores republicanos, em um raro ato de dissenso com o presidente, enfatizaram que um envio das tropas norte-americanas para o solo venezuelano é muito diferente de atacar barcos que potencialmente estariam transportando drogas e traficantes.
Já os senadores democratas argumentam que qualquer mobilização das tropas americanas deve ser informada ao Congresso, com uma justificativa substancial. Na última semana, um grupo bipartidário de congressistas fez uma série de articulações para forçar Trump a passar pela aprovação do Congresso antes da mobilização das tropas estadunidenses.
Esse fato está além do combate às drogas, uma vez que os principais fornecedores para os Estados Unidos são Colômbia e México. A questão central orbita na própria ligação de Maduro com o governo russo de Vladimir Putin e com o governo chinês. Para além das questões geopolíticas, Trump tem intensos interesses nas questões petrolíferas venezuelanas, além da abertura do mercado daquele país. Para os interesses estadunidenses, Maduro se torna persona non grata e, por isso, há a continua insistência norte-americana em apoiar uma oposição na Venezuela.
Ao que tudo indica, a política norte-americana terá um foco cada vez maior na América Latina. Contudo, até que ponto essa relação, sob a regência de Trump, será positiva para nós?Nesse sentido, estaria a América Latina preparada para ter suas veias abertas novamente para os interesses externos? São questões que apenas o tempo responderá.
Andrew Okamura Lima
Historiador e filósofo